Rubão, o etílico
O ponto de ônibus ficava bem em frente ao balcão do bar
do Dorival. Ele, que a princípio praguejou contra a Prefeitura
por conta da inovação, aos poucos percebeu que aquela pequena
multidão pertinho do seu estabelecimento, de certa forma
era algo bom para os negócios. Isso não era problema,
pensou. Seu problema mesmo era o Rubão.
Rubão, apesar do aumentativo, era um homem magro e,
até onde possível, um elegante senhor de meia-idade. Aparentava
uns 50 (depois descobrimos que tinha pouco mais de
35), vestia sempre um casaco de cor indefinida, calça social e
um sapato bico fino com fivela dourada que combinava com
a aliança da mesma cor na mão direita. Seria o Rubão noivo?
Ele nunca disse nada e também nunca perguntamos.
Bem, o Rubão vivia aprontando pra cima do Dorival. Toda
vez que entrava mulher no bar do amigo ele desatava a falar.
Não eram cantadas, nem piadas de baixo calão, longe disso,
que o Rubão, romântico, não gostava dessas coisas. Era um cavalheiro.
Decadente, mas cavalheiro. O problema do Rubão
se revelava quando atava uma conversa e não largava mais.
Dava umas voltas malucas e nunca completava o raciocínio.
Literalmente conversa de doido.
Um dia, de tanto me ver no ponto (eu sempre esperava o
ônibus da empresa que infalivelmente chegava às 6 da manhã),
ele puxou conversa. Eu na calçada e ele no bar.
– Qual seu nome, garoto?
– Já tomou uma dessas? (mostrava a garrafa e sorria revelando
todos os dentes).
– É Primavera, a melhor pinga do mundo! – propagandeava.
Eu só tinha alguns minutos entre a minha chegada, o
bom dia para o Dorival e o aceno ao Rubão. Logo já vinha
o momento da partida rumo à empresa. Todos os
dias a cena se repetia.
– Aaahh, Primavera! Que delícia, a melhor pinga do mundo!
E tome o Rubão tentando se equilibrar com o copo ou garrafa
na mão. A cena era um misto de Mussum dos Trapalhões
com flagrante de programa policial. No fundo o Rubão era engraçado.
Aliás, muito engraçado.
Um dia após dezenas, talvez centenas de papo de bar, o
Rubão não apareceu.
– E aí Dorival, cadê o Rubão? – perguntei receoso de que o
pior tivesse acontecido.
– Hoje ele está atrasado! – respondeu o dono do bar com
cara das mais felizes.
– Mas aprontei uma boa para ele. Vem ver! – disse.
Foi aí que se deu a engenharia. O Dorival pegou duas garrafas:
uma da marca Primavera e outra Tatuzinho e trocou os rótulos
das aguardentes. Assim, quando o Rubão fosse tomar
sua pinga favorita, e começasse a desfilar seus conhecimentos
etílicos, ele estaria equivocado.
– Vamos ver se ele entende tanto de cachaça assim! – vociferou
com um quê de crueldade o Dorival.
Poucos minutos depois, chega (atrasado) o Rubão entoando
o mantra:
– Vê aí uma Primavera! Ah, isso sim é que é cachaça... – repetiu
pela milionésima vez.
A cena era muito bizarra e não deu para segurar. Gargalhamos
alto, quase perdendo o fôlego de tanta folia. O Rubão impassível,
olhava para a gente e para o copo, para a gente e para
o copo, esperando que acabássemos de rir.
– Vocês colocaram algo na bebida? – se irritou.
O Dorival perguntou se ele estava seguro de ter bebido sua
cachaça favorita.
– Claro, você não viu? Olha aqui a garrafa! Estão rindo por
quê ? – aumentou a voz.
Foi a aí que o Dorival confessou ter feito a brincadeira e trocado
o rótulo:
– Você não tomou a Primavera! – gritou.
Incrédulo a princípio, mas logo desesperado, o Rubão
olhou para mim procurando uma negativa ou desmentido.
Balancei a cabeça confirmando a brincadeira.
Foi neste momento que o Rubão levou a mão no coração,
se ajoelhou no chão do bar dizendo estar passando mal e foi
vomitar a pinga na calçada. Pouco depois desmaiou perdendo
os sentidos.
Corremos até ele e, na tentativa de desvirá-lo, vimos escapando
do bolso um cartãozinho. Era um convite para reunião
dos Alcoólicos Anônimos que ele nunca frequentaria.
do Dorival. Ele, que a princípio praguejou contra a Prefeitura
por conta da inovação, aos poucos percebeu que aquela pequena
multidão pertinho do seu estabelecimento, de certa forma
era algo bom para os negócios. Isso não era problema,
pensou. Seu problema mesmo era o Rubão.
Rubão, apesar do aumentativo, era um homem magro e,
até onde possível, um elegante senhor de meia-idade. Aparentava
uns 50 (depois descobrimos que tinha pouco mais de
35), vestia sempre um casaco de cor indefinida, calça social e
um sapato bico fino com fivela dourada que combinava com
a aliança da mesma cor na mão direita. Seria o Rubão noivo?
Ele nunca disse nada e também nunca perguntamos.
Bem, o Rubão vivia aprontando pra cima do Dorival. Toda
vez que entrava mulher no bar do amigo ele desatava a falar.
Não eram cantadas, nem piadas de baixo calão, longe disso,
que o Rubão, romântico, não gostava dessas coisas. Era um cavalheiro.
Decadente, mas cavalheiro. O problema do Rubão
se revelava quando atava uma conversa e não largava mais.
Dava umas voltas malucas e nunca completava o raciocínio.
Literalmente conversa de doido.
Um dia, de tanto me ver no ponto (eu sempre esperava o
ônibus da empresa que infalivelmente chegava às 6 da manhã),
ele puxou conversa. Eu na calçada e ele no bar.
– Qual seu nome, garoto?
– Já tomou uma dessas? (mostrava a garrafa e sorria revelando
todos os dentes).
– É Primavera, a melhor pinga do mundo! – propagandeava.
Eu só tinha alguns minutos entre a minha chegada, o
bom dia para o Dorival e o aceno ao Rubão. Logo já vinha
o momento da partida rumo à empresa. Todos os
dias a cena se repetia.
– Aaahh, Primavera! Que delícia, a melhor pinga do mundo!
E tome o Rubão tentando se equilibrar com o copo ou garrafa
na mão. A cena era um misto de Mussum dos Trapalhões
com flagrante de programa policial. No fundo o Rubão era engraçado.
Aliás, muito engraçado.
Um dia após dezenas, talvez centenas de papo de bar, o
Rubão não apareceu.
– E aí Dorival, cadê o Rubão? – perguntei receoso de que o
pior tivesse acontecido.
– Hoje ele está atrasado! – respondeu o dono do bar com
cara das mais felizes.
– Mas aprontei uma boa para ele. Vem ver! – disse.
Foi aí que se deu a engenharia. O Dorival pegou duas garrafas:
uma da marca Primavera e outra Tatuzinho e trocou os rótulos
das aguardentes. Assim, quando o Rubão fosse tomar
sua pinga favorita, e começasse a desfilar seus conhecimentos
etílicos, ele estaria equivocado.
– Vamos ver se ele entende tanto de cachaça assim! – vociferou
com um quê de crueldade o Dorival.
Poucos minutos depois, chega (atrasado) o Rubão entoando
o mantra:
– Vê aí uma Primavera! Ah, isso sim é que é cachaça... – repetiu
pela milionésima vez.
A cena era muito bizarra e não deu para segurar. Gargalhamos
alto, quase perdendo o fôlego de tanta folia. O Rubão impassível,
olhava para a gente e para o copo, para a gente e para
o copo, esperando que acabássemos de rir.
– Vocês colocaram algo na bebida? – se irritou.
O Dorival perguntou se ele estava seguro de ter bebido sua
cachaça favorita.
– Claro, você não viu? Olha aqui a garrafa! Estão rindo por
quê ? – aumentou a voz.
Foi a aí que o Dorival confessou ter feito a brincadeira e trocado
o rótulo:
– Você não tomou a Primavera! – gritou.
Incrédulo a princípio, mas logo desesperado, o Rubão
olhou para mim procurando uma negativa ou desmentido.
Balancei a cabeça confirmando a brincadeira.
Foi neste momento que o Rubão levou a mão no coração,
se ajoelhou no chão do bar dizendo estar passando mal e foi
vomitar a pinga na calçada. Pouco depois desmaiou perdendo
os sentidos.
Corremos até ele e, na tentativa de desvirá-lo, vimos escapando
do bolso um cartãozinho. Era um convite para reunião
dos Alcoólicos Anônimos que ele nunca frequentaria.
Alexandre Pereira
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