A Serra Pelada do livro usado
Me interesso muito por livros usados e frequento sebos desde
jovem quando descobri pela primeira vez uma loja deste tipo em Santo André. Com
o passar das décadas, e o advento da internet, usei, primeiro, os mecanismos de
busca tipo Altavista, Yahoo, Google e depois, o Orkut, para entrar em contato
com quem tinha aquela revista ou livro que desejava. Conheci o Estante Virtual
na sua primeira semana de vida e fui também um dos primeiros a comprar pelo
Mercado Livre. Por que estou escrevendo isso ? Apenas para retomar aquela
discussão meio truncada, batidíssima, mas muito importante: o clichê "do
futuro do livro". Acabo de ler que as vendas de livros eletrônicos
superaram o similar em papel nos EUA. Isso merece reflexão. Junto a tudo que
vem ocorrendo: séries de clássicos da literatura vendidos como coleções em
bancas de jornais, reedições de livros recentes a preços populares, e
desaparecimento de sebos dos seus espaços físicos (todos migraram para a
internet), achei interessante, diria até necessário, compartilhar com vocês um
e-mail que recebi de um tradicional livreiro do sul do país que resume de
maneira definitiva a atual situação deste tipo de mercado neste momento.
Mudou tudo!A partir de meados de fevereiro de 2011
abandonamos definitivamente nossa tradicional política de preços para livros
usados. Não procuramos mais o "preço justo". Não olhamos mais para o
preço de capa do livro novo como referência. Desconsideramos pequenas
diferenças entre edições. O que vale é o mercado!Montamos uma estrutura de
"inteligência competitiva": softwares que varrem continuamente o
universo livreiro, registrando os preços de todos os livros que encontram.
Estes preços são tabulados e definimos nossos valores a partir daí. Nos
posicionamos sempre entre os mais baratos, obrigatoriamente entre os 25% mais
baratos e, na maioria da vezes, entre os 10% mais baratos. Em alguns casos,
simplesmente definimos o menor preço do mercado.Acabou-se definitivamente a era
romântica dos sebos. Agora, livro é commodity. Um bem produzido em escala
industrial e sujeito a grandes sobras na oferta. A internet e os mecanismos de
metabusca propiciaram o surgimento de milhares de "picaretas de
livros", gente que vive de comercializar, geralmente de casa, pequenos
acervos de origem muitas vezes duvidosa, sem pagar qualquer imposto nem
respeitar qualquer tipo de legislação. Estas pessoas não são livreiros no
sentido tradicional. Muitas vezes nada sabem de livros, estão neste mercado
apenas porque é um mercado de fácil acesso, que, para uma pequena operação,
sequer precisa de capital inicial strictu sensu. A biblioteca da vovó, o micro
do papai e SHAZAN!, temos um livreiro! O fenômeno não é novo, já aconteceu em
outros mercados, o eBay que o diga!Nós também demos cria, e pelo menos quatro
"livreiros virtuais" já saíram daqui. Como já comentei em outras
ocasiões, tivemos uma quadrilha operando em nosso depósito. Seus membros atuavam
desde o cadastramento dos livros até o relacionamento com os clientes. No
início, roubavam livros e vendiam para algumas livrarias "sérias" de
Porto Alegre. Depois, passaram a vender pelas mecanismos de metabusca. Até que
foram flagrados, a polícia bateu...e o resto está no inquérito policial. Tenho
tudo documentado, o que está no inquérito e muito, muito mais. Simplesmente não
vale a pena prosseguir com mais ações penais, desse mato não sai coelho, só
custos. O líder do bando, apesar da ação criminal, trabalhava até recentemente
numa das tais livrarias. Pura coincidência, certamente. Mas nem todos foram tão
desonestos. Alguns limitaram-se a aprender os rudimentos do ofício e passaram a
vender livros de casa. Um deles colabora conosco até hoje! Isso não é exatamente
novidade. A antiga livraria da minha amiga "C" já dera origem a três
livrarias aqui na cidade. Gente que trabalhava com ela e que, depois de algum
tempo, apareceu com um belo acervo e uma lojinha. A "C", ingênua que
só, nunca entendeu como estas coisa aconteceram. Além dos simples bandidos, há
toda uma ecologia em torno destes sites agregadores de vendas de livros usados.
De estudantes a zeladores de grandes condomínios, de professores a jornalistas,
de desempregados a empresas de reciclagem, milhares viram este mercado como uma
oportunidade para "descolar uns trocos", como me disse um
participante. O resultado é o rebaixamento geral de preços, sinal da total
falta de conhecimento e critérios por parte dos vendedores. Preços
absolutamente malucos imperam. Até conseguimos fazer algumas arbitragens,
comprando valiosas primeiras edições a preços irrisórios. De maneira geral,
simplesmente, as margens despencaram. Começamos a ajustar nossos preços ainda
em 2008, com grandes promoções. Depois veio a política de "decaimento
progressivo", em que os preços de livros iam caindo na medida em que
passavam mais tempo nas prateleiras. Agora, veio o "vender a
mercado", expressão do mercado financeiro que significa vender ao preço
onde existem compradores. No mercado financeiro são usados alguns sinônimos
reveladores para "vender a mercado": socar, enfiar, pôr na boca do
comprador.Agora será assim, como nas Casas Bahia: Preço Baixo Todo Dia. Além do
maior, o mais barato. Para os clientes, será uma maravilha: comprar de uma
empresa com credibilidade, que trata bem os livros, os entrega limpos, bem
embalados, completos e com origem garantida, pagando menos do que pagaria para
aquele "rapaz simpático que vende livros e outras coisas lá...". Nós
só podemos fazer isso porque temos custos baixos (apesar da fieira de
impostos), automação completa, grande velocidade de catalogação e capacidade de
compra de grandes lotes. Tremei concorrentes ! A Guerra de Preços chegou !
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