sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Nós Choramos pelo Cão Tinhoso - Uma interpretação



     Lembrança do banco escolar, transição tensa da infância para a adolescência, necessidade de afirmação e exibição de coragem são alguns temas que o escritor angolano Ondjaki elenca no conto “Nós Choramos pelo Cão Tinhoso”.
     O cachorro que dá título à história não existe. Vive como personagem literário e indica a preocupação do autor em nunca delimitar fronteiras entre o real e o onírico.
     Sim, o Cão Tinhoso, existe. Como assim ? pergunta o leitor desconfiado pois afirmei linhas acima que ele não era real. Explico:
     O Cão Tinhoso está vivo e forte. Aquele animal coberto de feridas e abatido por tiros de espingarda é verídico, atual. Vive em cada suspiro, em cada lágrima, que refreada, não ousa correr na face da meninada.
     Obrigados por uma professora involuntariamente masoquista a efetuar leitura a classe vai reanimando o bicho outrora abatido.
     O texto, no formato de monólogo interior, apresenta Jacó, o narrador, ponderando sobre a crueldade perpetrada por um grupo de meninos que recebe a ordem de abater o animal ferido e eles não se furtam em fazê-lo.
     Já a leitura, tensa, ritualística, em voz alta, parece uma reedição da morte do cão. Cada palavra é um tiro, cada pontuação uma agressão. Encontrei aí uma espécie de tributo ao “Apanhador do Campo de Centeio” do norte-americano J.D.Salinger: Jacó é Holden Caulfield e o Cão Tinhoso , os meninos inocentes brincando perigosamente próximo do barranco.
     “Levantei-me e toda turma estava também com os olhos pendurados em mim...”. Essa passagem tira o narrador do mundo real e o transfere para a companhia do cachorro.
     Agora não é mais possível perceber diferenças entre real e imaginário. O poder do texto nivela tudo, a força da história, seu caráter emotivo, desnuda a inocência dos alunos. Eles ainda não são homens, devem se comportar como tal e esse impasse vai vitaminando o Cão Tinhoso.

     Morto na história, vivo na mente dos alunos, o que normalmente era uma lição de casa virou lição de vida: a responsabilidade de cada um  diante da fragilidade de inocentes e animais.