Duas ou três lembranças sobre infância e adolescência
Três e meia da tarde da última semana de outubro de 1965. A
jovem levada para um hospital em Santo André , já sentia o bebê chutando e pela
contagem dos meses deveria ser o momento do nascimento do seu primeiro filho.
Quando chegou na entrada da maternidade foi logo foi
amparada por uma sorridente freira, da ordem Mariana, que dava plantão por lá.
Não demorou e foi também atendida por duas enfermeiras que já trataram de
iniciar os preparativos para o serviço de parto.
Ela não se recorda com muita precisão, apenas uma dor
diferente e uma sensação de desmaio. Após alguns minutos desacordada e sedada,
despertou com o brado da religiosa:
- É um menino ! Moreninho e com bastante cabelo !
Nasci desta forma, numa tarde do dia 26 e rodeado de outras
crianças que lotaram o berçário naquele dia. Meu pai, consta, ficou sabendo da
notícia com algumas horas de atraso, quando um tio telefonou até a firma onde
ele trabalhava, uma das muitas multinacionais estrangeiras que haviam se
instalado na região do ABC naquela década.
Num misto de felicidade e alívio ele me viu pela primeira
vez.
- Ah! Tem os olhos do pai ! , disse alguém próximo
- Já escolheu o nome ? perguntou o cunhado.
O fato é que nos últimos dias daquele mês eu fui o centro
das atenções da família e dominei todas as conversas.
Minhas mais remotas recordações não retrocedem muito. Talvez
o cérebro já tenha se avariado nestes 45 anos e alguns neurônios se perderam
por aí. Minha mais antiga lembrança é de minha mãe amamentando minha irmã mais
nova num simples sofá vermelho listrado, que hoje, com este culto ao design
retrô, seria uma mobília vintage muito disputada. A casa era sempre iluminada
pela luz que vinha das janelas e a mesa de fórmica da cozinha era vermelha com
umas pintinhas marrons que dava um aspecto meio psicodélico ao móvel.
Minha irmã é cinco anos mais nova e nasceu em 1970. Junto com a cena de
amamentação, me lembro também de uma tarde quando o céu estava muito claro e
forrado de balões. Dizem que nossas memórias infantis tendem a crescer muito em
proporção e qualquer moeda vira “muito dinheiro” e uma ou duas flores se
transforma “num enorme jardim”. Se eu tinha cinco anos e me recordo da minha
irmã bebezinha e dos balões no céu, muito provavelmente devo ter gravado no HD
cerebral as manifestações do povo com a conquista do tricampeonato mundial no
México.
Nunca li com afinco assuntos relacionados à psicologia, pouco mais do que alguns artigos e textos
breves em jornais. Quase sempre resenhas de livros como uns testes de Rorschach
(por causa do personagem do Watchmen) e um livro de Jung falando de mitos e
mitologia. Mas já esqueci tudo. Falo de psicologia porque acredito que as
experiências de tenra infância moldam de certa forma o caráter e apontam de
certa forma para o que seremos no
futuro. É sobre isso que trata este texto: labirintos emocionais que nos
afastam e aproximam de lugares e pessoas.
Minha casa, uma casa simples e comum como todas as outras do
bairro, tinha um quintal de terra, um limoeiro, um abacateiro e um corredor
cimentado. Pois foi neste corredor lateral, que ligava o portão da frente com o
quintal dos fundos, que certamente eu passei a maior parte da minha infância.
Entre os meus cinco e dez anos de idade me lembro de minha mãe sempre muito
atarefada e sempre me alertando para não ir para a rua. O que na época eu não
sabia era o motivo das constantes correrias de minha mãe e sua cara sempre
preocupada. Hoje percebo que o motivo era minha avó, sempre muito doente (aliás
não me lembro de um único dia em que ela estivesse com a saúde plena e mesmo
assim ela sempre estava sorrindo…
Um grande acontecimento da minha infância foi o aniversário
dos sete anos. Já havíamos nos mudado para três casas acima na mesma rua e
houve uma espécie de troca: minha avó veio morar na minha casa e minha família
na casa dela. Como a casa de baixo era maior e meus tios, cinco no total,
quatro ainda solteiros , moravam com ela,todos necessitavam de uma casa maior,
motivo da troca.
Mas eu falava de meu aniversário de sete anos. Sim, foi algo
realmente memorável. Neste dia meus tios Martinez , Marlos e meu pai compraram
cada um uma caixinha de futebol de botão e logo eu descobriria o prazer daquela
diversão mágica.
Eram da marca “Craques da Pelota”, os botões, aqueles
vidrinhos semelhantes àos dos relógios estampavam a fotografia dos jogadores
que eram presos com uma circunferência menor na parte inferior. Ao todo eram
três times: Palmeiras, Portuguesa e Santos. Virei palmeirense neste dia,
outubro de 1972 ; só depois entendi que o Verdão era o melhor clube daquele
ano. Decorei então a escalação: Leão, Eurico, Luis Pereira, Alfredo e Zeca,
Dudu, Leivinha e Ademir da Guia, Edu, César e Nei.
No Santos me recordo do Brecha, Clodoaldo, Cejas, Pelé e
Edu. Da Portuguesa os inesquecíveis Badeco, Dicá, Enéas e Tatá.
O meu campeonato de três clubes não terminava nunca e
tamanha fixação despertou o interesse de um vizinho chamado Pedrinho, de
família crente e com vários irmãos. Entre nós uma grande afinidade e uma
diferença:
- Não posso ir na sua casa, nem sair para a rua ! disse
certa vez para ele.
- Por quê ? Sua mãe não deixa ?
O que deveria ser uma simples pergunta soou como um desafio
e então, escondido de minha mãe “ousei” desobedecer a ordem (ela estava mais
uma vez socorrendo minha avó) e fui até a casa daquele novo e inesperado amigo.
Fui apresentado aos seus irmãos: Osmar (três anos mais velho
do que eu) e João, já de maior e prestes a se casar.
Um certo dia consegui a proeza de ser atropelado por um
Aero-Willys marrom na minha própria rua quando voltava da casa deste coleguinha
de infância. Sete anos depois eu retornava ao mesmo hospital e avistava
novamente, agora de maneira (in)consciente a religiosa toda de negro, uma
freira com certeza, que ainda ajudava e abençoava as crianças por lá.
Ganhei uma caixa de Sonho de Valsa, um luxo para a época, e
flores vermelhas , me recordo do meu pai aceitando as desculpas do homem que
afirmava que “o menino saiu do nada e quando vi já estava debaixo do carro”.
Sei que as rodas do veículo, pesado e muito grande se
comparado àos Gordinis e Sedans, não chegaram a passar sobre mim, mas me lembro
do impacto e da minha rolagem pela rua várias vezes como uma bola de futebol. A
sorte grande, se é que existe alguma em casos assim, foi o fato de
estranhamente minha rua ter sido uma das últimas do bairro a ser asfaltada e
portanto o impacto do acidente ter se desenrolado num chão de terra.
Se pudesse traçar um paralelo, com algo ou alguém, diria que
o acidente só amplificava a minha situação e me tornei o próprio passarinho
preso na gaiola. Nada me era permitido após o acidente. Eu que estava na idade
onde as crianças cometiam suas peraltices até que não reclamei muito, minha mãe
tinha o dia preenchido em cuidados com minha avó, cada vez mais doente, e meu
pai trabalhava até altas horas da noite ( tempos das tais horas-extras,
espertamente inventada pela indústria num período de sindicalismo ainda
nascente, recurso que aumentava sua produção às custas do suor da peãozada).
Os meses pós acidente se passavam e cismaram que eu estava
estranho e algo precisava ser feito para me animar. Meus pais iam muito àos
parques de diversão da região e à então recém inaugarada Cidade da Criança em
São Bernardo do Campo. A entrada deste parque exibia uns bonecos do Horácio,
Jotalhão, Mônica, Cebolinha e Cascão que me encantaram logo de cara. Numa
conversa com meu tio Martinez minha mãe disse que quando eu ia ao parque não
queria mais sair de perto da portaria e tentava adiar a ida para os outros
cantos. Meu tio registrou com atenção a informação.
Uma manhã meu pai chega do trabalho com A Gazeta Esportiva
que estampava uma edição com vários times posados naquela pose clássica
imortalizada até hoje com defesa em pé e ataque agachado. Exigi do meu pai mais
times de botão. Ele atendeu com prazer o pedido e marcou o seu melhor gol como
pai.
Em 1972, graças à A Gazeta Esportiva e os botões, eu já lia
com desembaraço fato que me facilitou muito a vida na escola. No meu primeiro
dia de aula sentei na penúltima carteira, no fundo da classe, ao lado de uma
menina chamada Cristina. Afinidade total pois éramos os únicos da classe usando
óculos e aquele par de quatro-olhos chamou a atenção da professora que nos
transferiu para as carteiras da frente,
sempre ficávamos lado ao lado. Com sete anos descobri que havia um mundo
habitado por garotas.
Dois anos se passaram e eu já podia brincar na rua, desde
que eu não fosse para muito longe de casa e avissase minha mãe.
Numa tarde qualquer do primeiro semestre de 1974, fui até a
casa do meu vizinho Valdemir que me mostrou a coleção de futebol de botão do
Gilson, seu irmão mais velho. Quase cai de costas. O Gilson, que tinha uns 25
anos e passava o dia todo lavando e lustrando um Dodge Dart azul, comprava a
revista Placar que publicava em toda edição 22 escudinhos. A tática malandra da
Editora Abril era a seguinte: numa edição ela colocava em suas páginas os
escudinhos de duas equipes diferentes mas nunca com o time completo. O leitor
tinha que comprar duas edições seguidas, já que os times só se completavam de
duas em duas edições. Ao perceberem o sucesso da empreitada, aumentaram para
três clubes, e a mesma fórmula se repetiu agora com uma trinca de revistas.
O Gilson me ensinou uma coisa bem legal: nos botões da marca
Bolagol ,onde uma pequena lente do tamanho de uma moeda de 5 centavos perfurava a circunferência do
botão fazendo uma cavidade, dava para inserirmos distintivos desenhados por nós
mesmos já que não agüentávamos a morosidade dos editores da Placar.
Assim, com apenas
quatro times tínhamos um campeonato todo e guardávamos os escudinhos
dentro de caixinhas de fósforos (que faziam o papel de goleiro); a bola era
achatada como um comprimido e muitas vezes substituídas por botões de camisa.
Aliás se tinha uma coisa que minhas camisas não tinham eram botões...
Em junho daquele ano a Alemanha Ocidental sediou a Copa do
Mundo e me interessei em conhecer aqueles heróis do planeta bola. Estava na
escola quando assisti à Holanda ganhar de dois à zero e eliminar o Brasil. Os
nomes agora eram outros: Sepp Maier, Overath, Breitner, Fisher e Beckenbauer
eram os alemães da hora, Cruyiff, Neskens e Krol defendiam a Holanda. Comecei a
comprar minhas primeiras edições da Placar neste momento.
Meu tio Martinez, que nunca gostou de futebol, tentava
exercer uma certa influência sobre mim e vivia me presenteando com gibis dos
mais diversos tipos e títulos.
A primeira história em quadrinhos que li foi uma dos corvos
“Faísca e Fumaça” que trabalhavam numa construção e acabam, devido suas
trapalhadas, transformando o negócio em uma empresa de demolição. Isso me
marcou bastante.
Vendo que eu gostava do que ele me trazia meu tio começou a
trazer as revistinhas quase diariamente. Pinduca, Pafúncio, Carequinha, Popeye
e Sobrinhos do Capitão eram em preto e branco , capa de papelão e lombada
quadrada, Mickey, Tio Patinhas, Mônica e
Cebolinha eram feitos com capa mole e grampeadas no centro em formato brochura.
Devorava todas com o mesmo prazer.
Nesta época ainda não lia
os super-heróis que eu nem conhecia. Porém não dava para ficar imune à
influencia da televisão e além do futebol noturno, que a TV Cultura exibia nas
noites de domingo, assistia religiosamente ao Globo Cor Especial , Vila Sésamo
e desenhos da Hanna-Barbera.
Com nove anos de idade ganhei uma camisa de goleiro e uma
bola de capotão. As tardes ensolaradas de domingo já tinham um outro
significado. Agora a vida se resumia a encontrar pelo menos mais cinco meninos
para formarmos dois times e gastar a sola do Kichute.
O hábito de todas as tardes de domingo era mais ou menos
assim: riscávamos as duas grandes áreas, a marca do pênalti e o meio de campo
com pedaços de tijolos (sempre havia alguma construção no bairro já que eram
anos de urbanização acelerada, fruto da grande quantidade de empresas que se
instalaram em Santo André) que também serviam como traves.
Novos moleques passaram a integrar os times: os gêmeos
Renato e Rogério, Mariano, Marcelino Doriana (apelido ganho porque era muito
chorão, logo manteiga derretida), Pedro Baiano, Vassilos, os irmãos Pedrinho,
Osmar e João, o japonês Nori (que não sabia jogar) e certamente um ou outro
garoto de outra rua.
Um expectador constante era meu pai que muitas vezes
assistia aos jogos em pé no portão de casa. Na época eu não sabia, mas na
verdade ele olhava o jogo mas não estava nem aí, afinal sempre voltava do bar e
ficava “dando um tempo” para que minha mãe não percebesse seu estado de
embriaguez.
Numa manhã de 1977, eu estava no quintal de casa e ouvi ele
me chamando. Como sempre me pedia para
ir ao bar comprar um maço de Kent ou Arizona e eu achava que era mais uma
daquelas tarefas. Mas o caso era mais grave.
Para meu horror o homem que eu sempre via como uma
fortaleza, um pedaço de Deus na Terra,
estava tremendo todo. Seu corpo chacoalhava com tanta intensidade que julguei
que ele poderia morrer naquele momento e na minha frente. Era uma crise de
delirius-tremens, fruto do sucessivo abuso do álcool. Ele foi internado.
Passado alguns dias retornou para casa refeito e de bom
humor e vivi semanas de muita felicidade com minha mãe, minha irmã e meu pai,
que se recuperava muito bem.
Tamanha era sua mudança que um dia, na verdade um domingo,
ele e seu irmão Tião bolaram uma
pescaria e me convidaram para ir com eles. Recusei. O fiz porque não queria
perder o jogo que faríamos todo o domingo. Meu pai foi para a represa e eu
fiquei ouvindo a Bandeirantes AM no rádio do Fusca Sedan 65, cor de vinho, que
ele tinha e não levou para a pescaria neste dia. Pensei: “ Viagem por viagem
prefiro viajar com a transmissão do Fiori Gigliotti !”
Mas eu iria me lamentar muito de não ter ido com eles neste
dia.
Na manhã seguinte meu pai passou muito mal e foi internado
mais uma vez. Parece que desta vez a coisa era mesmo grave pois fiquei o dia
todo com a minha avó até que em avançada hora da noite vejo minha mãe chorando
e me abraçando dizendo:
- Filho, o pai morreu !
Fiquei parado e não acusei o golpe, eu já vira tantas vezes
aquelas cenas de gente chorando ao meu redor e como nunca havia conhecido
ninguém que havia morrido achei que fosse algo que tivesse cura, sei lá, uma
doença um pouco mais grave ou coisa assim.
Tanto eu não me dei conta do ocorrido, que peguei minha bola
e fui até a casa dos gêmeos para mais uma partida de futebol. Fui repreendido
por uma vizinha:
- Que absurdo seu pai morto e você brincando aí na rua !
Por inclinação religiosa do meu avô a família exigiu que o
caixão antes de descer à sepultura ficasse exposto dentro de casa, no caso, na
sala de estar, para que a maior parte dos vizinhos e conhecidos pudessem se
despedir dele.
Só então frente a visão do corpo do meu pai dei me conta da
gravidade da situação e desabei num choro convulsivo. Devo ter chorado tanto
que me lembro de uma tia me dando água com açúcar e fechando as janelas de meu
quarto pedindo para que eu tentasse dormir. O caixão ficou lá até a manhã do
dia seguinte quando decidiram levá-lo ao
cemitério. Não houve velório e ele foi enterrado rapidamente. Só lembro de uma
ventania, do céu nublado e de alguém me
dizendo:
- Deixa uma alça (do caixão) para ele segurar pois ele é o
filho !
Como havia chorado tudo o que podia já não tinha mais
lágrimas mas me recordo de um abraço amistoso do meu vizinho Osmar.
O impacto da morte precoce dele aos 35 anos naquele mês de
agosto de 1977, fez com que eu fosse “adotado” pelo meu tio Martinez (aquele
dos gibis) e fosse sempre convidado para as brincadeiras pela turma da rua. De
certa forma consegui (acho) que esquecer completamente o episódio com muita
diversão na rua. Brincávamos e resgatávamos brincadeiras interioranas como
palha-ou-chumbo, bota, mão-na-mula, bandeirinha, queimada e claro muito jogo de
futebol.
Com 12 anos meu interesse por futebol cresceu muito. Vi o
Corinthians ganhar da Ponte Preta e acabar com um jejum de 23 anos sem título,
o jogo histórico em que o Basílio fez o tão esperado gol. Só se falava no
Timão, foi uma overdose comemorativa, mas parece que o presidente corintiano
havia “comprado” um jogador da Ponte Preta, Rui Rei, expulso logo no início da
partida. A suspeita aumentou quando
poucos meses depois o Corinthians contratou o jogador...
Em 1977 e 1978 uma febre varreu o bairro: eram os pipas com
linha cortante. Tentei uma vez e achei a coisa meio sem graça. Fiquei no
futebol de botão. Como estávamos crescendo, as brincadeiras foram se tornando
cada vez mais violentas e perigosas. Começamos a soltar balões.
Até ai nada muito grave (se bem que é) não fosse o fato de
uns marmanjões irem ao encalço deles quando caiam e distribuírem sopapos em
todo mundo.
Gibi do Ziraldo (que eu não lia, aliás nem sabia que
existia) perdia feio da nossa rotina. Como ninguém trabalhava e portanto sem
dinheiro para nada,a aventura era descolar arame, estopa, papel e querosene
para a montagem dos balões que ficavam cada vez maiores. Me lembro de um que
fizemos com uns três metros de altura , muito bonito, mas que voou só um
pouquinho e logo pegou fogo.
Na escola as coisas também pegavam fogo. Como ainda não me
conformava com a perda e com a família diminuída (agora éramos apenas minha
mãe, minha irmã e eu), decidi que nunca mais deixaria ninguém me fazer sofrer e
revoltado operei uma transformação (embora insconsciente para um menino de
apenas 13 anos ) na minha vida. Comecei a brigar na escola e não havia dia que
não chegasse em casa rasgado ou ofegante. Lembro que em uma semana briguei três
vezes, numa delas com meu vizinho Mário.
Briga de moleque é aquele empurra-empurra e o negócio acabou logo porque o avô
dele chegou e pois fim na confusão. Naquele ano tirei notas baixíssimas e pela
primera vez repeti de ano.
Mas eu gostava das
aulas de geografia. Certa vez,
mesmo sem o professor pedir, arrumei
cartolina , copiei o mapa mundi e
colori. Não contente comecei a desenhar bandeiras dos países e decorar o nome
de suas capitais.
Mas se eu me destacava em geografia o mesmo não ocorria com
matemática. Tive uma professora muito paciente, dona Irene, que tentou de toda
forma me ajudar, mas eu empacava sempre naquela história de raiz quadrada e
equações. Começava a ficar sempre de segunda época, desesperado ía muitas vezes
para o quarto de minha mãe, onde até hoje existe um crucifixo de madeira, me
ajoelhava e pedia intercessão divina para
conseguir as notas necessárias. O Lord lá em cima nunca falhou.
Na oitava série estudei no período noturno pela primeira
vez. Houve um problema burocrático com a pensão que minha mãe recebia pela
morte do meu pai e as coisas começaram a ficar ruins. Fui trabalhar com meu tio
Marlos, vendedor ambulante, na porta de um posto de saúde. Ele vendia biscoitos
de povilho e eu copinhos de água mineral. Fazíamos sucesso e me recordo que em
uma semana eu já conseguia trazer dinheiro para casa e até comprar um tênis novo.
Após este emprego, fui trabalhar como balconista em uma loja
de sapatos que pertencia à um armênio sovina e que tinha como característica um
ódio declarado por alemães. Uma vez um cliente que não sabia da paranóia do
homem (que certamente deve ter perdido
algum parente na Segunda Guerra) perguntou:
- Tem tênis Adidas ?
- Não, mas tenho outros bem bonitos ! respondeu ele.
- Eu quero Adidas ! disse o freguês sem se dar conta do
perigo.
Não agüentei muito tempo o salário baixíssimo e o ambiente
deprê e me mandei de lá.
- Moça bonita não paga, mas também não leva ! Acho que ouvi
esta piada um milhão de vezes. Eu agora trabalhava numa feira livre, barraca de
roupas (camisetas, pijamas, toalhas, etc) e aprendi a dobrar camisas muito bem.
Tinha que acordar às quatro da madrugada e até que curtia aquilo tudo não fosse
a dificuldade em amarrar os estrados no bagageiro de uma Rural com corda de
náilon que sempre cortava a minha mão. Também não durei muito naquele trabalho.
- Chega de bico, o menino tem que arrumar um emprego com
registro em carteira e salário fixo ! disse meu tio Martinez.
Minha mãe, que também pensava assim, teve então uma idéia:
- Por que não ir até a fábrica em que o pai dele trabalhou
por 13 anos e conversar com a assistente social ? E foi o que ela fez.
Lá chegando, se apresentou como viúva e pediu ajuda para
arrumar um emprego para mim. Imediatamente para surpresa dela, minha e de todos
que souberam da história, consegui um emprego em poucos minutos.
Entrava em cena agora o office-boy. Em pouco tempo me
destaquei de alguma forma e fui transferido para o arquivo de desenhos e
projetos da empresa. Nova função, agora eu me tornava arquivista. Mas esta é
uma outra história...
Esta história é uma ficção, qualquer semelhança entre
pessoas e situações com a vida real pode
ser mera coincidência.
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