O momento em que viramos palhaços
Em toda a minha
vida recordo de ter ido ao circo umas quatro ou cinco vezes. Tudo o que se
comenta sobre magia e tristeza perpetradas pelos personagens que integram este
universo nunca me pareceu exagero Tristeza ao som de fanfarras.
Assim, aquela história de fabricar o riso no rosto dos
espectadores enquanto se vive um grande dilema pessoal está longe de ser um clichê de filmes e reportagens. A vida é o que o circo tentou e
miseravelmente não conseguiu nos apresentar em espetáculo de duas horas com
atrações diversas.
Minha percepção deste tipo de lugar mudou quando um velho
amigo de infância me confidenciou que havia encontrado o pai, sumido há uns 10 anos,
no circo que se instalava por pouco
tempo na cidade.
O fato é que este amigo trocou algumas palavras com o pai,
que o abandonou
ainda criança, e
neste breve encontro, o agora ancião, relatou o arrependimento pela decisão impensada, falou sobre sua nova
família, os colegas de circo, confessou a luta contra o alcoolismo e admitiu a doença que o minava aos poucos.
Após este encontro, e alguma relutância, meu amigo retornou
poucos dias depois ao local para vê-lo mais uma vez. Foi informado pela trupe
de artistas que seu doente pai havia morrido e como último desejo lhe deixado uma maleta de couro e uma chave. Ao abrir
encontrou um relógio de pulso, o anel de casamento, uma navalha e um chapéu. O
simples relato de tudo isso fez meus olhos marejarem e por pouco não chorei.
Pouco tempo depois e ainda com a aquela história na cabeça tive
a alegria bizarra de presenciar um decadente espetáculo em um circo muito pobre
e improvisado que não possuía globo da morte, elefantes, nem trapezistas. O
principal momento do lastimável espetáculo se devia aos contorcionismos de uma
menina de uns 12 anos chamada Suellen. A magrelinha escapava de labirintos de
metal enquanto fazia evoluções com uma bola de plástico provando ser invertebrada,
tamanha era sua mobilidade e agilidade que se a Nadia Comaneci de 1976 visse a
Suellen desistiria da carreira.
Um urso nervoso, por estar aprisionado numa gaiola
minúscula, dava o tom melancólico do local. Nem é preciso dizer que a intenção
do riso naquele momento tinha sido trocada por um nó na garganta e um sorriso
meio amarelo do tipo “mas o que é que eu estou fazendo aqui ?” estampava o meu
rosto.
Claro que o universo circense sempre foi muito explorado,
cantado em verso e prosa e edulcorado para as massas como um pedacinho do céu
que desceu à terra. Nada mais falso.
Do drama pessoal do profeta Gentileza - testemunha ocular do
incêndio no Gran Circus Norte Americano, em 1961, em Niterói. 400 vítimas - ao fim destes espetáculos mambembes por pura
falta de local e porque não dizer público;
o show inventado séculos atrás viu sua morte lenta ser finalmente
decretada.
Sim. Ainda temos o Cirque Du Soleil, o Mister M, o Patati e
Patatá e os mágicos paraguaios que o Ratinho descobre de tempos em tempos...
Mas não é a mesma coisa.
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