Para um mestre. Com carinho.
Quando recordo dos motivos que me fizeram estudar jornalismo vem sempre a lembrança de uma capa da Ilustrada de 1982. Era uma página inteira com três resenhas assinadas por um tal Pepe Escobar que, na época, eu não conhecia.
Mais do que me apresentar o King Crimson, o Gang of Four e os Talking Heads (as bandas que o crítico tratou naquele ensaio) o que me fascinou foi a construção dos parágrafos, a inserção dos termos em inglês (intraduzíveis para nossa língua) e o verdadeiro balé com pontos, vírgulas e frases curtas, que me impressionou muito na época. Eu, jovenzinho, nunca tinha lido nada parecido.
Não era um texto fácil e trombava com velocidade de trem-bala desgovernado com o que depois ficou consagrado como “Manual de Redação e Estilo”, este, engendrado com influencia matinasuzukiana como desculpa para emular o então fenômeno editorial norte-americano USA Today (que vinha dando um nó na cabeça de editores e diagramadores com a fórmula, hoje consagrada, textinho-fotona).
Sai do meu trabalho de operador de máquinas heliográficas e fui bater na porta do Diário do Grande ABC, um jornal de Santo André, local onde moro até hoje.
Após um ano e meio de Arquivo surgiu a oportunidade de ir para a Folha de S.Paulo e conhecer o misterioso jornalista.
Cheguei um semestre atrasado já que um tsunami varreu da obrigatória Ilustrada os arroubos shakespereanos do Pepe, os textos longos do Tarso de Castro e o surpreendente “direitismo” do senhor Paulo Francis.
Neste verdadeiro zeitgeist do jornalismo paulistano, num só mês o jornal trocava os três acima, por Matinas e Marcelo Coelho. Eu entrei na Folha nesta época e fiquei por lá sete anos. Um dia fui surpreendido por um colega de Banco de Dados, que conhecedor da minha admiração pelo Pepe, me alertou aos gritos:
- Alexandre, dá uma lida na página 2 da Folha da Tarde !
Quando conferi, o coração deu um pulo. Tava lá uma matéria de página inteira falando sobre o príncipe de Petrópolis e a família Orleans de Bragança. Se o assunto parecia na época desinteressante (era aquela tríplice escolha entre parlamentarismo, presidencialismo e monarquia) o texto do Mr.Escobar esmagava qualquer enfadonho. Uma lufada de criatividade na indecisa FT.
No dia seguinte novo petardo: Página inteira com arte psicodélica colorida saudando os 50 anos da invenção do LSD. Larguei por uns minutos as pesquisas e indexações que fazia e fui até a redação da Folha da Tarde.
- Cadê o Pepe ? perguntei para minha colega de faculdade Elaine que fazia um freelancer por lá.
- Ah aquele nojento ? Veio aqui na redação e tirou um sarro de todo mundo dizendo que escrevia a matéria da casa dele, de pijama, e enviava para a gente pelo computador (na época aqueles PCs com tela verde).
Pensei comigo: O cara tem que ser muito especial para ser enxotado da forma que foi e fazer uma aparição destas deixando todo mundo meio puto com tanto talento e estilo. Pepe strikes again...
Persegui o sujeito a semana toda até que o encontrei lendo um livro qualquer na redação. Me apresentei, falei que trabalhava no Banco de Dados, que lia e colecionava os textos dele e pela primeira vez na vida pedi um autógrafo para alguém. Ele, numa mistura de surpresa e vaidade, anotou meu nome e telefone e dois dias depois subiu três andares e apareceu na minha seção.
Com a desculpa de precisar de uma foto do Malcolm X se dirigiu até a minha mesa e conversamos por alguns minutos. Em pouco tempo me dei conta de que o que faz uma pessoa especial não é o talento nato, ou não, para exercer alguma função, mas a “forma” como você faz as coisas.
Ele lamentou a falta de informações (pré-Internet) e no dia seguinte imortalizou um texto maravilhoso sobre o pregador negro com o fiapo de dados que possuía.
Sua curta colaboração, uns 6 ou 7 textos, na Folha da Tarde, só alguns anos depois me ficou elucidado. Era uma espécie de :
- “Olha aqui seus merdas como é que se faz !”
Sai da Folha e fui para o Estadão. Lá também fiquei 7 anos e só o encontrei meio apressadamente no elevador da empresa. Na ocasião ele acabara de chegar de Tóquio, start de sua nova guinada jornalística, e visitava o jornal dos Mesquitas a fim de colaborar com a tradicional e sissuda editoria de Internacional.
Claro, que eu naquele momento já tinha xerocado o arquivo inteiro em busca de textos do meu ídolo jornalístico. Aqueles anos labutando no Bairro do Limão foi minha “golden age” particular. Numa semana conversava com o Ruy Castro, na outra com o Giron e até com o finado Paulo Francis lembro de ter trocado um olá. Era muito mais do que eu havia planejado e sonhado quando, com 17 anos e currículo xerocado debaixo do braço, entrei pela primeira vez na redação de um jornal.
Como um pescador, ia jogando minha rede, e jogando o verde. Perguntava para outros jornalistas sobre o Pepe. A esmagadora maioria nunca tinha algo de bom para falar sobre ele. Uns o chamavam de Tim Tones (um personagem do Chico Anísio que imitava o Jim Jones – da seita Borboletas Azuis), outros, a toda hora lembravam dos casos de plágio. A história do plágio, que não era a primeira, foi o motivo na época alegado para a sua saída do Estadão.
Olha só, meu modelo de jornalista era um impostor. Mas se você quer saber a verdade sobre algo ou alguém não tergiverse e vá direto às fontes primárias. Foi o que fiz e não vi nada além de exagero e má fé dos que humilhados com a comparação (o texto de todos os outros, exceto talvez o Antonio Gonçalves Filho, perto do dele parecia redação de pré-primário) precisavam vê-lo bem longe dali. Afinal ele puxava o nível da coisa para cima e jornalista é um bicho preguiçoso que acha que tudo pode ser resolvido pelo telefone...
Mas como todos sabem, a história sempre se repete como farsa e hoje os mesmos que o acusavam de plágio fazem um autêntico recorta-e-cola (ou Crt C/CrV) nos seus textos pós-Internet.
Nos últimos anos reli os livros “Speedball” e “21 – O Século da Ásia” escritos pelo Pepe. O primeiro lançado pela Coleção Olho da Rua, olha que título premonitório..., da L&PM em 1987, é um exercício de estilo e condensa em 176 páginas todos os maneirismos que imortalizaram o estilo deste lendário jornalista paulista. Já “21...” é outra história.
Nas primeiras páginas do primeiro capítulo, uma viagem num trem transiberiano dá início a um mergulho cultural, político e econômico no continente asiático centrando foco em China, Índia e Japão. Mesmo com a densidade do assunto o Pepe ia, entre uma estatística e outra, recheando os capítulos com historinhas verdadeiras ou não e imprimindo sua marca registrada com aqueles recortes estilísticos que caracterizam o seu texto.
Recentemente descobri os livros “Globalistan – Como o Mundo Está se Dissolvendo em Guerra Líquida” e “Red Zone Blues”. Encomendei via Amazon. O velho beat de calças jeans cor-de-rosa que ouvia Velvet Underground e provocava a fúria da turma fã de Elis, Chico Buarque e sambão, voltava para distribuir bananas ao planeta dos macacos.
Fruto de sua colaboração com o Asian Times, os dois livros, principalmente o primeiro é uma espécie de “tour-de-force” sobre a geopolítica internacional destacando a importância do islã e da Ásia no cenário pós 11 de Setembro.
Pepe demonstra neste livro sua notável erudição,adquirida numa carreira itinerante, abrangendo as cavernas de Tora Bora, as favelas de São Paulo e as pocilgas de Bombaim, não sem antes assinalar a suntuosidade dos palácios russos pós-glasnost e conversas com agentes do Pentágono. Imortaliza o que conhecemos como “cidadão do mundo”.
O que me causou surpresa, mas reafirmou minhas intuições, foram as citações sobre a presença da ONU e dos Rockfellers como agentes atuantes na nova ordem mundial. Poucas famílias controlam o mundo inteiro e os governos das principais nações são uma espécie de fachada...
Ainda não li “Red Zone Blues” mas olha esta observação pescada na internet:
"Ele é o mais interessante e influente jornalista que escreve sobre o Oriente Médio. Ele viaja até o local onde tudo se desenrola e parece falar várias línguas... Escobar acha que muito do que se passa na guerra contra o terrorismo é na verdade uma guerra em busca de energia. Acho que ele está certo sobre isso. "
Tenho certeza que é mais uma pedrada na janela dos que preferem ver a realidade na segurança e conforto burocrata de gabinetes diversos.
Mais do que me apresentar o King Crimson, o Gang of Four e os Talking Heads (as bandas que o crítico tratou naquele ensaio) o que me fascinou foi a construção dos parágrafos, a inserção dos termos em inglês (intraduzíveis para nossa língua) e o verdadeiro balé com pontos, vírgulas e frases curtas, que me impressionou muito na época. Eu, jovenzinho, nunca tinha lido nada parecido.
Não era um texto fácil e trombava com velocidade de trem-bala desgovernado com o que depois ficou consagrado como “Manual de Redação e Estilo”, este, engendrado com influencia matinasuzukiana como desculpa para emular o então fenômeno editorial norte-americano USA Today (que vinha dando um nó na cabeça de editores e diagramadores com a fórmula, hoje consagrada, textinho-fotona).
Sai do meu trabalho de operador de máquinas heliográficas e fui bater na porta do Diário do Grande ABC, um jornal de Santo André, local onde moro até hoje.
Após um ano e meio de Arquivo surgiu a oportunidade de ir para a Folha de S.Paulo e conhecer o misterioso jornalista.
Cheguei um semestre atrasado já que um tsunami varreu da obrigatória Ilustrada os arroubos shakespereanos do Pepe, os textos longos do Tarso de Castro e o surpreendente “direitismo” do senhor Paulo Francis.
Neste verdadeiro zeitgeist do jornalismo paulistano, num só mês o jornal trocava os três acima, por Matinas e Marcelo Coelho. Eu entrei na Folha nesta época e fiquei por lá sete anos. Um dia fui surpreendido por um colega de Banco de Dados, que conhecedor da minha admiração pelo Pepe, me alertou aos gritos:
- Alexandre, dá uma lida na página 2 da Folha da Tarde !
Quando conferi, o coração deu um pulo. Tava lá uma matéria de página inteira falando sobre o príncipe de Petrópolis e a família Orleans de Bragança. Se o assunto parecia na época desinteressante (era aquela tríplice escolha entre parlamentarismo, presidencialismo e monarquia) o texto do Mr.Escobar esmagava qualquer enfadonho. Uma lufada de criatividade na indecisa FT.
No dia seguinte novo petardo: Página inteira com arte psicodélica colorida saudando os 50 anos da invenção do LSD. Larguei por uns minutos as pesquisas e indexações que fazia e fui até a redação da Folha da Tarde.
- Cadê o Pepe ? perguntei para minha colega de faculdade Elaine que fazia um freelancer por lá.
- Ah aquele nojento ? Veio aqui na redação e tirou um sarro de todo mundo dizendo que escrevia a matéria da casa dele, de pijama, e enviava para a gente pelo computador (na época aqueles PCs com tela verde).
Pensei comigo: O cara tem que ser muito especial para ser enxotado da forma que foi e fazer uma aparição destas deixando todo mundo meio puto com tanto talento e estilo. Pepe strikes again...
Persegui o sujeito a semana toda até que o encontrei lendo um livro qualquer na redação. Me apresentei, falei que trabalhava no Banco de Dados, que lia e colecionava os textos dele e pela primeira vez na vida pedi um autógrafo para alguém. Ele, numa mistura de surpresa e vaidade, anotou meu nome e telefone e dois dias depois subiu três andares e apareceu na minha seção.
Com a desculpa de precisar de uma foto do Malcolm X se dirigiu até a minha mesa e conversamos por alguns minutos. Em pouco tempo me dei conta de que o que faz uma pessoa especial não é o talento nato, ou não, para exercer alguma função, mas a “forma” como você faz as coisas.
Ele lamentou a falta de informações (pré-Internet) e no dia seguinte imortalizou um texto maravilhoso sobre o pregador negro com o fiapo de dados que possuía.
Sua curta colaboração, uns 6 ou 7 textos, na Folha da Tarde, só alguns anos depois me ficou elucidado. Era uma espécie de :
- “Olha aqui seus merdas como é que se faz !”
Sai da Folha e fui para o Estadão. Lá também fiquei 7 anos e só o encontrei meio apressadamente no elevador da empresa. Na ocasião ele acabara de chegar de Tóquio, start de sua nova guinada jornalística, e visitava o jornal dos Mesquitas a fim de colaborar com a tradicional e sissuda editoria de Internacional.
Claro, que eu naquele momento já tinha xerocado o arquivo inteiro em busca de textos do meu ídolo jornalístico. Aqueles anos labutando no Bairro do Limão foi minha “golden age” particular. Numa semana conversava com o Ruy Castro, na outra com o Giron e até com o finado Paulo Francis lembro de ter trocado um olá. Era muito mais do que eu havia planejado e sonhado quando, com 17 anos e currículo xerocado debaixo do braço, entrei pela primeira vez na redação de um jornal.
Como um pescador, ia jogando minha rede, e jogando o verde. Perguntava para outros jornalistas sobre o Pepe. A esmagadora maioria nunca tinha algo de bom para falar sobre ele. Uns o chamavam de Tim Tones (um personagem do Chico Anísio que imitava o Jim Jones – da seita Borboletas Azuis), outros, a toda hora lembravam dos casos de plágio. A história do plágio, que não era a primeira, foi o motivo na época alegado para a sua saída do Estadão.
Olha só, meu modelo de jornalista era um impostor. Mas se você quer saber a verdade sobre algo ou alguém não tergiverse e vá direto às fontes primárias. Foi o que fiz e não vi nada além de exagero e má fé dos que humilhados com a comparação (o texto de todos os outros, exceto talvez o Antonio Gonçalves Filho, perto do dele parecia redação de pré-primário) precisavam vê-lo bem longe dali. Afinal ele puxava o nível da coisa para cima e jornalista é um bicho preguiçoso que acha que tudo pode ser resolvido pelo telefone...
Mas como todos sabem, a história sempre se repete como farsa e hoje os mesmos que o acusavam de plágio fazem um autêntico recorta-e-cola (ou Crt C/CrV) nos seus textos pós-Internet.
Nos últimos anos reli os livros “Speedball” e “21 – O Século da Ásia” escritos pelo Pepe. O primeiro lançado pela Coleção Olho da Rua, olha que título premonitório..., da L&PM em 1987, é um exercício de estilo e condensa em 176 páginas todos os maneirismos que imortalizaram o estilo deste lendário jornalista paulista. Já “21...” é outra história.
Nas primeiras páginas do primeiro capítulo, uma viagem num trem transiberiano dá início a um mergulho cultural, político e econômico no continente asiático centrando foco em China, Índia e Japão. Mesmo com a densidade do assunto o Pepe ia, entre uma estatística e outra, recheando os capítulos com historinhas verdadeiras ou não e imprimindo sua marca registrada com aqueles recortes estilísticos que caracterizam o seu texto.
Recentemente descobri os livros “Globalistan – Como o Mundo Está se Dissolvendo em Guerra Líquida” e “Red Zone Blues”. Encomendei via Amazon. O velho beat de calças jeans cor-de-rosa que ouvia Velvet Underground e provocava a fúria da turma fã de Elis, Chico Buarque e sambão, voltava para distribuir bananas ao planeta dos macacos.
Fruto de sua colaboração com o Asian Times, os dois livros, principalmente o primeiro é uma espécie de “tour-de-force” sobre a geopolítica internacional destacando a importância do islã e da Ásia no cenário pós 11 de Setembro.
Pepe demonstra neste livro sua notável erudição,adquirida numa carreira itinerante, abrangendo as cavernas de Tora Bora, as favelas de São Paulo e as pocilgas de Bombaim, não sem antes assinalar a suntuosidade dos palácios russos pós-glasnost e conversas com agentes do Pentágono. Imortaliza o que conhecemos como “cidadão do mundo”.
O que me causou surpresa, mas reafirmou minhas intuições, foram as citações sobre a presença da ONU e dos Rockfellers como agentes atuantes na nova ordem mundial. Poucas famílias controlam o mundo inteiro e os governos das principais nações são uma espécie de fachada...
Ainda não li “Red Zone Blues” mas olha esta observação pescada na internet:
"Ele é o mais interessante e influente jornalista que escreve sobre o Oriente Médio. Ele viaja até o local onde tudo se desenrola e parece falar várias línguas... Escobar acha que muito do que se passa na guerra contra o terrorismo é na verdade uma guerra em busca de energia. Acho que ele está certo sobre isso. "
Tenho certeza que é mais uma pedrada na janela dos que preferem ver a realidade na segurança e conforto burocrata de gabinetes diversos.
Alexandre Pereira
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