segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O Meio é a Massagem

Ai meu São Gutemberg... Que bad trip hein ? Toda vez que acesso a internet é um tal de jornal demitindo, jornal fechando, jornalista morrendo, jornalista internado, programas cancelados e outras coisas tristes retratando o fim de uma era. O que conhecíamos como jornalismo já era. O conceito agora é outro; vivemos na era do "shownarlismo" e isso não é necessariamente ruim, apenas diferente. A notícia que caminhou pela mesma estrada durante décadas (séculos ?) decidiu experimentar um novo caminho e nessa experimentação tabus, metódos e vacas sagradas estão ficando para trás...

domingo, 27 de agosto de 2017

O primeiro bullying do Joãozinho


Joãozinho pede para ir ao banheiro, o professor autoriza, mas 40 minutos depois ele não retorna. O professor decide ver o que está acontecendo:
- Zequinha, vai até o banheiro e fala pro Joãozinho que o professor está mandando ele voltar para a aula!
...
Depois de uns 10 minutos eis o Zequinha abrindo a porta da classe com olhar assustado:
- Professor, o Joãozinho PRENDEU O PINTO NO ZÍPER DA CALÇA e está chorando porque não consegue soltar!
Professor e Zequinha vão até o banheiro. Com um pouco de água e sabonete lubrificam o pimpolho do menino que só então respira aliviado.
Quando o trio retorna a classe desaba em risos.
No dia seguinte o Joãozinho ficaria conhecido em toda a escola como "o menino do pinto ralado", maldade inevitável deste rito de passagem chamado escola.

sábado, 27 de maio de 2017

Bob Esponja, O Filme

Localizada nas profundezas do oceano Pacífico, a Fenda do Biquíni é uma cidade subaquática onde vivem seres estranhos e engraçados. De todos eles, a esponja Bob é a mais famosa e controvertida.
Bob Esponja Calça-Quadrada, chamada assim por sua forma geométrica, mora num abacaxi e trabalha na lanchonete do Senhor Sirigueijo, um siri ambicioso que nunca deu folga para seu único funcionário.
Nunca até março de 2004 quando a gravadora Sire Records reuniu um time de estrelas do rock para musicar "Bob Esponja, O Filme", desenho-tributo do personagem marinho mais querido de todos os tempos.
Nessa homenagem em forma de trilha sonora, a cantora canadense Avril Lavigne, o grupo de Oklahoma Flaming Lips, a banda Wilco, a dupla nonsense Ween e até o bêbado Lemmy e seu Motorhead foram chamados para animar a festa de aniversário do Bob.
Executivos da gravadora não tiveram muito trabalho para compor a trilha uma vez que os músicos aceitaram imediatamente escrever, cantar e emprestar canções para sua animação favorita. Todos confessaram ser fãs ardorosos da esponja amarela.
O Senhor Sirigueijo, relutante em dispensar Bob do trabalho, concordou com a festa surpresa desde que o pagamento fosse antecipado. Disse porém, que não emprestaria um centavo para a construção do palco onde os artistas se apresentariam.
Naquela manhã, Patrick, a estrela-do-mar, decorou com balões a lanchonete e avisou Lula Molusco para que fosse até o abacaxi buscar o caracol Gary. Quando voltavam, encontraram a baleia Pérola e a lagosta Puff, todas alinhadas e bonitas. Traziam presentes para o aniversariante.
Mas o que o pessoal da Sire não contava é que a festa tivesse um grande número de bicões. No estacionamento da lanchonete era possível ver o cavalo-marinho do Aquaman, o baleeiro Pequod do capitão Avelar, o Titanic e uma frota de submarinos onde se destacavam o Nautilus do capitão Nemo, o Calypso de Jacques Costeau e o USOS do almirante Nelson, que não contente em aparecer sem ser convidado trouxe a tiracolo toda a tripulação.
O peixinho Nemo, a Pequena Sereia, Tutubarão, Namor, Moby Dick... eram tantos os não convidados que o coitado do Patrick teve que se virar para fritar tanto hambúrger. A galera, impaciente, curtia o som, mas queria mesmo era o rango.
De repente aparece o Bob Esponja:
- Para mim? Olhos marejados...
Feliz e emocionado o crianção chorava de felicidade.
Com todos comemorando despreocupadamente, o Plankton pôde ir até a cozinha roubar a receita secreta do lanche. Não conseguiu. Patrick deixou o lugar um caos e o microorganismo não achou o que tanto buscava.

Resumindo: Foi uma celebração maravilhosa que certamente ficará na memória dos que ali estiveram.
Só não entendi uma coisa:
- Como um esquilo com capacete de astronauta consegue ficar tanto tempo no fundo do mar.

sábado, 20 de maio de 2017

Don McLean - American Pie

Tropeçando num balde deixado no meio do corredor, com calças encharcadas e botas sujas de  barro, ele tentava sorrir. Sorriso nervoso. Uma espécie de defesa contra o olhar reprovador dos funcionários da Capitol Records.
Aquele estranho emporcalhando o chão carregava uma caixa com a fita-rolo do seu segundo álbum e foi confundido pela ascensorista como entregador de pizza. A funcionária errara por pouco. O disco que aquele jovem trazia não era uma calabresa ou quatro-queijos, mas uma deliciosa torta de maçã em formato musical.
Em 1971 Donad McLean  ainda não era um rosto conhecido e tateava o sucesso de maneira tímida. Centenas de telefonemas encerrados de maneira abrupta,  cartas de recomendação devolvidas e lacônicas promessas, nunca efetuadas, de audição de suas demo-tapes formavam os ingredientes de um prato impossível de ser degustado.
O mantra ecoado por diretores artísticos de todas as gravadoras deixava um gosto amargo em sua boca:
- Não precisamos de um novo Dylan, nem de outro Donovan!
Don não desistia. Com o saveiro abastecido singrava as rodovias do país em busca de palcos onde pudesse mandar seu recado. Estrela escolar, autor de poeminhas ecológicos em defesa de florestas, ursos e índios sioux, ele carregava a certeza de poder mudar o mundo tocando violão.
Enquanto o sucesso não aparecia, passava as tardes lendo historinhas da Vovó Donalda e sangrando os dedos nas cordas de aço do violão. Aos 25 anos sentia-se o portador de uma verdade e não entendia o motivo de ninguém querer ouvi-la. Tinha uma missão, seria um novo Buddy Holly e faria deste desejo a inspiração, o gás que cozinharia suas pretensiosas ideias musicais.
Um ano antes, havia gravado de maneira rústica seu primeiro álbum, "Tapestry", uma elegia ao pintor Vincent Van Gogh onde as pinceladas rudes do holandês foram trocadas por canções ásperas, pouco requintadas, que serviram de passaporte para o mundo artístico. O disco saiu e não aconteceu. A carreira de McLean foi para a geladeira.
Um dia o telefone tocou:
- Don, venha até a gravadora para conversarmos!
O plano era simples: McLean deveria apresentar-se ao vivo numa rádio da Costa Oeste para divulgar seu trabalho. Tudo acertado. Era chegar, apresentar o cartão da gravadora e entregar a fita.
Um pit-stop no Texaco para comprar pizzas, refrigerantes, goma de mascar e não seria tão difícil cruzar o país. Seria até divertido. No toca-fitas "Sgt. Peppers" e "Highway 61 Revisited" como companheiros de viagem.

A noite caiu e a chuva também. Um boeing voando baixo no horizonte trouxe lembranças de fevereiro de 1959, quando desamarrou a pilha de jornais com a manchete da morte de Buddy Holly. Em cada casa que entregou o tablóide uma facada no coração. Não poderia mais fazer aquilo. Decidiu aposentar a bicicleta e pedir demissão.  A decisão fez com que passasse as noites ouvindo country music, descascando maçãs e preparando uma iguaria sonora nunca antes provada por ninguém.
Tchau, tchau "American Pie", dirigia o Chevy imaginando como seria o promo-video que o lançaria ao estrelato. No caminho uma pausa forçada. Uma ponte havia ruído e era necessário um retorno enorme. Decidiu não deixar este pequeno problema abalá-lo. De maneira imprudente tirou uma garrafa de uísque do porta-malas e bebeu com menores à beira da estrada. Ouvia histórias de valentia e proeza daqueles mini homens e registrava mentalmente tudo aquilo com a certeza que dariam ótimas canções.
Alcoolizado cantarolava:
- "Este será o dia que eu morrerei". Referia-se a Holly. Quem ouvia não atinava.
Antes de partir deixou uma luva de beisebol autografada:
- Um dia serei famoso e você terá um troféu.  Disse sorrindo.
Acelerando o saveiro ultrapassou a velocidade máxima. O ronco do motor abafado pelas gaitas de "Like a Rolling Stone". Don só acreditava em duas coisas: Na Bíblia e no rock'n'roll. Precisava correr, o tempo parado certamente cobraria seu preço.
Refletia:
- A música poderia salvar sua alma? Aprenderia a dançar antes do juízo final? E se o passo do adolescente desajeitado até o homem consciente tivesse demorado tempo demais?
Parou de pensar nisso quando o som das cítaras de "Within You Without You", Harrison enlouquecido, começou a ensurdecê-lo.
- Nada de Donovan por aqui! Malditos...
A madrugada veio e o verde musgo dos eucaliptos também. A visão encheu-o de esperança. Sua aparição desta vez seria triunfal.

Caminhando altivo, queixo levantado, casaco grená, lenço e chapéu de cowboy na cabeça, Don era o próprio Clint Eastwood em "O Cavaleiro Solitário". Arrancou suspiros e risadinhas das secretárias enquanto invadia os corredores da rádio KATM carregando mais uma vez a caixa com a fita-rolo do seu segundo álbum. Os DJs, reduzidos à condição de Gansolinos famintos, provaram e aprovaram aquelas canções.

No dia seguinte o assunto na KATM era o charmoso "funcionário da confeitaria" que havia deixado uma torta de maçã na mesa do diretor...

sábado, 13 de maio de 2017

Roberto Carlos (1981)

- Senhorita Miriam, mande o paciente entrar!
- Bom dia. Deite no divã enquanto eu localizo sua ficha. Deixe-me ver...Achei. Roberto Carlos Braga , 40 anos, viúvo, dois filhos... Confere?
- Sim doutor.
- Eu só pediria que não fumasse no consultório.
- É o hábito. O cachimbo está apagado.
- Pois bem, fale sobre você.
- Tenho sonhado muito. Nos meus sonhos aparecem mulheres, Jesus, baleias, não sei bem o que isso significa.
- Continue por favor...
- Bem, num destes sonhos eu me via iluminado sob a luz das estrelas, aquecido nos raios de sol e refrescado pela chuva que caia na minha cabeça. De cima de uma rocha eu contemplava o mar  enchendo os pulmões, respirando o ar. No sonho, eu tinha a informação que Deus estava para chegar e era desnecessário lutar contra os fenômenos da natureza. Minha consciência dizia para não tentar me esconder nem tampouco me enganar. Ainda no sonho, eu devia encontrar algo, bem depressa e me preparar para um encontro místico-celestial com o brilho dessa luz, que depois soube que se chamava Jesus.
- E soube como?
- Não sei ao certo. Uma espécie de ternura, uma mágica simples. Para responder isso só evocando outro sonho: Uma jovem de mansinho se aconchegava nos meus braços e falava de amor e carinho. Ela se enroscava docemente em meu braço e descobria meus segredos. Ela me olhava de maneira tão profunda e me beijava com boca macia...
- E você como reagiu?
- Eu estava encantado. Como alguém na plateia vendo um espetáculo de magia!
- Magia?
- Sim, uma simples mágica.
- Prossiga.
- Eu estou com a jovem no quarto, nossas roupas espalhadas pelo chão e era tão grande o amor que a gente fazia que tudo parava lá do lado de fora.
- Como assim?
- Tudo estava meio lento ou congelado. As pessoas começaram a sorrir, passarinhos faziam festa nos seus ninhos, o carteiro olhava para o céu esquecendo a carta urgente, as buzinas dos carros silenciavam. Era tão grande o amor que a gente fazia...
- Como se até o absurdo pudesse ser real né?
- Exatamente doutor. Uma doce loucura. Eu dissipava, saia do meu corpo e me transformava em batom, sabonete, toalha, travesseiro, o importante era estar colado àquela mulher. Sem notar vi parado no canto do quarto um café da manhã suntuoso que provamos ainda na cama. A comida, a bebida, tudo na justa medida.
- Interessante... E então?
- Então eu me via vivendo um momento lindo, sentindo emoções e lembranças vividas, momentos que eu não esquecia. Eu chorava, chorava de emoção. Eu me via ali vivendo aquele momento lindo em  paz com a vida, com uma fé me fazendo otimista demais. No sonho eu chorava.
- Se chorava ou se sorria o importante é que no sonho você vivia emoções.
- Isso.
- Hummm...
- É grave doutor?
- Meu caro não há problema algum. O senhor está muito bem.
- Estou?
- Sim. O senhor sofre de uma doença chamada Amor, mas isso não é fatal. Em alguns casos pode até fazer bem à saúde.
- Terei que tomar algum remédio?
- Recomendo apenas um banho gelado quando esses sonhos forem constantes.
- OK doutor.
- Ah, senhor Roberto, poderia me dar um autógrafo?
- Claro doutor. Assino onde?
- Senhorita Miriam traga aquele disco que compramos para a dona Neusa.

                     #

Verão, início dos anos 90. Derretendo no sofá da sala do Marco, eu, ele e o Fábio assistíamos aborrecidamente o Top 10 da MTV com os mesmos videoclipes e volume baixo para não ouvir a voz da Astrid Fontenelle. Desviando o olhar do tubo da televisão, avisto um montinho de LPs da coleção da dona Neusa repousando quietinho na estante. Começo a mexer nos álbuns até que localizo o Roberto Carlos 1981. Mostro para o Fábio que começa a rir, quase gargalhar.
- Olha isso! Começou a ler a dedicatória na contracapa do vinil: "O único homem que consegue mexer com a gente".
Rimos, porém algo de profético ocorreu naquele dia. "O único homem que consegue mexer com a gente" certamente se referia ao cantor, o único homem que conseguia nos emocionar. Hoje o Fábio é PM. Dos mais brilhantes e temidos. Ninguém consegue mexer com ele.
Acho que só o Roberto.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Lou Reed - Metal Machine Music

Segundo andar de um prédio na Avenida São Luís, centro da cidade. Toda vestida de preto, bota salto agulha, peitos saltando do bustiê de couro e segurando um chicotinho, estranho o visual da dentista.
- Pode entrar. Vejo que está com o rosto inchado!
Rosto inchado era um eufemismo. Eu parecia estar era com uma bola de tênis no lado direito da boca.
- Foi uma maçã do amor que eu comi ! Disse economizando as palavras para não sentir a dor horrível.
Ela pediu para que eu sentasse, regulou a altura da cadeira, empurrou uma mesinha cheia de martelinhos, pinças, agulhas e ajustou aquela luz forte que iluminou toda a minha cabeça.
- Abra a boca bem grande ! Disse enquanto um espelhinho percorria a cavidade entre lábios e faringe.
- Estou vendo umas cáries. Acho que pode ser problema de canal! Respondi dizendo que fizesse o que fosse preciso desde que cessasse aquela dor horrível. Ela pegou uma prótese e com uma caneta foi riscando os dentes na moldura. Explicou que cada marcação era um local bichado na minha arcada dentária.
Perguntou se eu autorizava o raio-X e o início da tratamento. 
- Manda ver! Concordei.
Ela mexeu novamente na altura da cadeira. Desta vez, minha cabeça ficou na altura do seu colo enquanto minhas pernas, esticadas para cima. Indagou se eu estava bem instalado. 
- Doutora, tenho problemas com falta de ar pode ligar o ar condicionado ?
Ela não apenas apertou uns botões como posicionou um ventilador enorme atrás da cadeira. Eu olhava aqueles zíperes e os peitões parecendo pular para fora e pensava o 
motivo dela não usar o avental branco como todo mundo.
- Quer que eu coloque uma musiquinha para relaxar? Às vezes ajuda! Falou sorrindo.
- Tem uns CDs que meu filho deixou aqui. Deixe ver...
-Tem Skank, Legião, Lou Reed e Faith No More. Qual você quer?
-Toca o Lou Reed ! Respondi. Torcia para ser o "Transformer" ou "Coney Island Baby".
Ela apagou a luz, saiu da sala e disse que tiraria o tal do raio X. Senti olhos arderem e um peso no peito como se estivesse tomando um soco do Mike Tyson. Esperei pelo Lou Reed, ele parecia atrasado.
Com sorriso sádico a dentista cantou nos meus ouvidos:
- Relaxa que a anestesia é só uma picadinha...
Urrei. A dor era tanta que comecei a delirar. Sem avisar, o motorzinho foi raspando minha gengiva, invadindo raízes e furando meus dentes. Com a maquinaria abafando o som do Lou Reed só restava imaginar as músicas que eu não ouvia. 
Torci para uma pausa, pediria para que aumentasse o som, mas ela não parou. Apanhei mais que Jesus em filme de Mel Gibson e nada do guitarrista do Velvet cantando para mim. 
A broca me ensurdecia e, já lobotomizado por tanta dor, desci a um Inferno onde não havia Beatriz. Numa hora estava de olhos vendados, amarrado diante um pelotão de fuzilamento, pouco depois me vi deitado numa sessão de acupuntura onde todas as agulhas eram seringas de heroína. Mas nada superou o terror de passear no lado selvagem da noite em companhia do Ronaldo Fenômeno e ser cercado por um trio de travestis pauzudos querendo me currar.
Desesperado, procurei cantarolar mentalmente a introdução de "Pale Blue Eyes", mas de nada adiantava. A remoção do tecido infectado me fazia chorar e tudo que eu pedia era um conforto auditivo do maldito CD player que, ou não havia sido ligado ou estava num volume muito baixo.
Devo ter ficado mais ou menos uma hora sendo cortado, raspado, apertado e violado. Num momento que decidi abrir os olhos fui cegado por uma luz branca.Tentei balbuciar algo, mas a doutora colocou uma borracha entre os lábios para poder prospectar melhor aquele cânion de tártaros e inflamações. Rezei para que Deus tivesse piedade.

64 minutos depois, finalmente o ronco do motor diminuiu e pude ver melhor onde estava. 
- Prontinho meu querido. Acabou! Disse a cirurgiã com os olhos injetados e sorriso do Coringa.
Fui me recompondo aos poucos.
- Doeu, mas agora está tudo bem! Falei aliviado pelo fim da sessão tortura.
-Por quê você não tocou o CD? Reclamei.
-Mas eu toquei você não ouviu ?
-Não tocou não, eu conheço a voz do Reed e não ouvi nada. Só o barulho infernal do motorzinho!
Ajeitando o rabo-de-cavalo e mirando as unhas negras ela cantarolou em voz infantil:
- O motorzinho que você ouviu era o disco! Um album instrumentaaal! Mastigava as 
palavras saboreando meu espanto.
- Instrumental? Não creio...
Ela mostrou o CD e eu folheei o encarte. 
-Ah, o tal "Metal Machine Music"! Que eu nunca havia ouvido e todos consideravam, 
com razão, o pior disco da história.
- Lou Reed... Seu filho da puta!
Antes de partir ela me informou que eu teria que retornar para preencher com platina algumas obturações.
Só tive  tempo de responder:
- OK doutora! Mas da próxima vez eu trago o álbum!

sábado, 29 de abril de 2017

Switched On Bach

Segundo as lendas germânicas um doppelgänger é um ser fantástico que atua como réplica ou cópia de alguém. Esta criatura sobrenatural, duplicata andante de intenções demoníacas, aparece em locais e épocas improváveis trazendo confusão e mau agouro ao imitado.
Um doppelgänger escolhe, acompanha e emula outra pessoa por livre iniciativa não obedecendo ordens de ninguém. Por ser dotado de poder fora do comum, consegue ler e incorporar características mais secretas da matriz incorporando-as como sua.
Esta introdução é necessária para explicar a passagem de um mutante assim no cenário musical dos anos 60.
Nesse tempo, nos corredores da Universidade de Columbia, um jovem pianista apaixonado por novidades musicais encontrou o Dr. Robert Moog finalizando a máquina que lhe daria fama e fortuna: o sintetizador analógico Moog. O Moog era um teclado eletrônico capaz de reproduzir notas musicais de maneira robótica e futurista ultrapassando tudo o que a música concreta havia conseguido até então.
O cientista foi breve e persuasivo ao explicar que precisava de um piloto para sua máquina musical. O jovem, que farejava oportunidades, aceitou de imediato.
Foi assim que no último trimestre de 1968 começou a ser engendrada a obra que levaria a música clássica para as massas. A parceria Moog-Carlos.
O que o Dr. Moog não sabia é que Walter Carlos, o menino prodígio da faculdade, era o gêmeo diabólico de Johann Sebastian Bach, que todos acreditavam repousar numa cripta na Igreja de São Marcos em Leipzig. Carlos andava em pleno século XX solto por Nova York e trazia dentro de si não apenas o código genético do finado compositor, mas também a intenção de apresentar o barroco alemão para o mundo. A ocasião não poderia ser melhor.
Walter vestia roupas esquisitas, usava na cabeça uma peruca branca que emoldurava o rosto deixando-o mais pálido e adotava uma mise-en-scéne que beirava a afetação. Quem não o conhecia poderia jurar que era um ator ou alguém ligado ao teatro. O rapaz chamava atenção, mas vivíamos os anos de ressaca do Verão do Amor com hippies cabeludos perambulando por todo o lado e bizarrices assim eram incorporadas à paisagem sem nenhum escândalo.
Com a sala de aula parecendo cenário de filme sobre a Revolução Francesa, com o moog estrategicamente instalado no centro, a presença de eletricistas e camareiras vestidos à moda antiga e leques, divãs e porcelana chinesa decorando o estúdio, foi gravado pela Columbia Records aquele que é considerado o álbum mais bem sucedido na história da música clássica: "Switched On Bach", algo como "Ligado no Bach".
Lançado no início de 1969, o disco provocou reações e debates acalorados. O público sedento por novidades conheceu a Arte da Fuga e os Concertos de Brandemburgo aprovando imediatamente a tecladeira do Bach redivivo: "Esse lance de música clássica é a maior curtição". Já a crítica especializada rotulou o trabalho como "A mais ultrajante peça musical já produzida por alguém em todos os tempos" e preparou a guilhotina pedindo a cabeça do doppelgänger.
O que ninguém discordava era do talento e da exuberância performática do jovem gênio chamado Walter Carlos. Walter era Bach e isso ninguém sabia.
Com as lojas vendndo o LP como Coca-Cola em tarde de verão, não tardou para "Switched On Bach" começar a escalar o Top 40. Meio milhão de cópias vendidas, um disco de platina e três Grammys depois e eis o inimaginável acontecendo: Um trabalho erudito chegava ao Top 10.
Tamanho ineditismo não passou despercebido. CIA e o FBI começaram a investigar quem era aquele homem. Com a eminência de ser descoberto, o jovem Carlos adotou mais uma identidade e optou por uma cirurgia de remoção do pênis, mudou o cabelo, vestiu roupas "normais" e agora, com o nome de Wendy, renasceu mais uma vez. Tal estratégia despistou investigadores ao mesmo tempo que atraiu o cineasta Stanley Kubrick, curioso com todo aquele movimento.
A leitura em voz alta do primeiro capítulo do livro de Anthony Burgess e vários copos de leite gelado selaram o acordo que resultaria na trilha sonora do filme Laranja Mecânica. Wendy trocava Bach por Rossini e Beethoven. Mas isso é uma outra história.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

rapido&rasteiro&rapido&rasteiro&rapido&rasteiro

Coisas que eu encontro na minha caixa de correio: Saquinho com casquinhas de pão de forma e convite para ir à igreja # "O Mundo Acabou - Alberto Villas" - Acabei de ler. Não é nenhum Pedro Nava, mas um livro de memórias belíssimo # Morreu Chuck Berry e estão dizendo que ele inventou o rock. Pode até ser, mas não inventou sozinho. Sem a ajuda de Bill Haley, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Fats Domino, Bo Diddley, Elvis Presley, Buddy Holly, Ritchie Valens, Beatles, Rolling Stones, The Animals e tantos outros ele ainda estaria batendo carteiras nas esquinas de St. Louis # Tem gente que enxerga teoria da conspiração e estratégia das tesouras até no modo do balconista servir um cafézinho # Lafayette interpreta Canções de Roberto Carlos" - Sabe aqueles livros de colorir? Então; Lafayette, o organista do Rei, pintava notas e swing por cima das composições da dupla Roberto e Erasmo. (CD-R duplo da Phono 70) # Bolo de laranja para o café da tarde # Polícia Federal cumprindo 309 mandatos judiciais, em seis estados, numa operação que apura o uso de jornal molhado na fabricação de salsichas # O Power Of Zeus, banda de Detroit na linha Purple-Sabbath, gravou em 1970 um único álbum pela Motown. Patinho feio no lago das estrelas da soul music, foi deixado de lado pela gravadora e sumiu rapidamente # Qual avião cairá nos próximos dias para que a mídia deixe de falar da lista do Janot? # 20 milhões de desempregados e o Max Gehringer com aquela conversinha mole de sempre...

Bolsonaro na cozinha do Congresso

- Me vê um copo de leite. O garçom: - Quer também um cafézinho? O deputado: - Não, não, só um copo de leite. O garçom (falando baixinho): - racista...

rapido&rasteiro&rapido&rasteiro&rapido&rasteiro

Reputação, imagem, nome a zelar... Para mim isso é moeda de cinco centavos # Eu também gostaria de acabar com os pobres, mas não da maneira como estão fazendo # "Luis Pereira é o novo sonho do Fluminense. O presidente Francisco Horta afirmou que não venderá o maior jogador de seu time, Rivelino, mesmo que receba uma oferta absurda. Horta afirmou que está estudando uma fórmula que possibilite o Fluminense contratar dois grandes jogadores para o Campeonato Brasileiro". (Diário do Grande ABC 01/07/1976) # "Marconi Notaro no Sub-reino dos Protozoários" - Marconi Notaro foi um poeta pernambucano que gravou em 1973 esta gema psicodélica escavada recentemente pelos colecionadores de obscuridades. (CD-R da Phono 70) # Ver o Jornal Nacional creditar a principal notícia do dia ao blog "O Antagonista", do Diogo Mainardi, é ver o exato momento em que o jornalismo online superou a reportagem mainstream # Nestlé relança chocolate Surpresa com as inesquecíveis cartelas de dinossauros # Enquanto família reza a novena As notícias Que montam cavalos ligeiros Vão tomando todo o mundo Na casa, no lar Esquecidos, todos ficam longe De saber o que foi que aconteceu E ali ninguém percebeu Tanta pedra de amor cair Tanta gente se partir...

Bolsonaro na loja de roupas

- Queria ver umas gravatas! O vendedor: - Temos vários modelos, olha estas aqui... O deputado: - Mas são listradas. Queria gravatas de uma única cor! O vendedor: - Temos estas cor-de-rosa. São lindas... O deputado: - Não. Eu vou levar duas verdes e uma amarela! O vendedor (falando baixinho): - homofóbico...

Bolsonaro na doceria

- Quais os doces que vocês tem? O balconista: - Temos vinte tipos: Cocada, quindim, maçã do amor, pé-de-moleque... O deputado: - O que é esse enroladinho de maçã? O balconista: - Ah...strudel! Um doce alemão. O deputado: - Ótimo. Me vê um desse! O balconista (falando baixinho): - nazista..

rapido&rasteiro&rapido&rasteiro&rapido&rasteiro

The Heptones - "Night Food" é uma pedrada musical arremessada em 1976 pelos jamaicanos do Heptones. (CD-R da época do e-mule) # Ex-presidente é presa por acusação de corrupção. Na Coréia # Santo André vence o Audax, de virada, e permanece na primeira divisão do campeonato paulista. Para quem não tem mais o Bona, o Tulica e o Da Silva, tá muito bom # "O Peru da Festa Vol. 5". Cacete oops... K7 de Lírio Mário da Costa, vulgo Costinha, humorista que se estivesse vivo e contasse hoje piadas assim certamente estaria preso # "Nunca antes na história deste país..." # Tô mais quebrado que o Cebolinha depois de um plano infalível # "Show da Vida", Som Livre - A musiquinha do Fantástico te deprime? Então ouça essa coletânea e volte a sorrir # Engordando mais um pouco. No Paulão Lanches # Minha sobrinha instalou no meu celular o aplicativo Waze. Gostei. O treco funciona que é uma beleza. O Waze é um GPS, com voz de mulher, que vai informando: "...em duzentos metros vire a esquerda na Avenida Ipiranga", "...em cento e cinquenta metros vire a direita na Avenida São João. "...siga em frente até a Rua Dom José de Barros". "...Você chegou ao seu destino". "...Na Galeria do Rock, suba a escada e compre o CD novo dos Stones da loja do Marcião". Não. Isso ela não falou

Bolsonaro na borracharia

- Moça, pode chamar aquele grandão com a camisa do Vasco para mim! A moça: - Tiããoo... tem um cliente te chamando! O deputado: - Bom dia. Pode trocar o pneu do carro? Aproveita e enche o estepe também! A moça: - Por quê você não pediu para mim? Eu trocava. O deputado: - Desculpe, achei que você ficava no caixa! A moça (falando baixinho): - misógino...

rapido&rasteiro&rapido&rasteiro&rapido&rasteiro

Observe a escalada do politicamente correto: "Otaviano Costa é afastado do 'Vídeo Show' após rir de atitude machista no BBB" # Ayrton Mugnaini Jr. Brega.com.br,  uma demo-tape muito legal gravada em 1998 pelo Ayrton Mugnaini Jr. Pronto, agora você pode me chamar de brega # Três títulos de matérias encontradas hoje no site da FolhaUol: - "Errei", diz José Mayer sobre denúncia de assédio". - "Cantor Victor é indiciado por agressão à mulher". - "CBF é investigada pela Fifa devido a gritos de "bicha" da torcida". Teledramaturgia, música, futebol? Isso pode esperar. O que o pessoal quer é piroca, porrada e barraco # Bolsonabo. Mais uma criação do Carioca, o melhor humorista do Brasil # "A Arte de Recusar um Original", Divertido livrinho, pouco mais de 170 pgs, que reúne respostas de todo tipo e massacra a autoestima de escritores iniciantes # Reinaldo Azevedo implorando de maneira deprimente para alguém brigar com ele, mas ninguém quer # Será que ainda dá tempo para uma volta mágica e misteriosa? # Os ETs invadiram a Terra !!!

Bolsonaro na banca de jornal

- Bom dia. Posso ver as revistas? A jornaleira: - Fique a vontade. O deputado: - Tem Playboy? Queria ler uma entrevista que eu dei para a revista! A jornaleira: - Temos. A edição deste mês está vendendo muito, publicaram um ensaio picante com as panicats. O deputado: - Vou levar! A jornaleira (falando baixinho): - machista...

Bolsonaro no supermercado

- Meu caro, onde eu acho inseticida? O repositor de mercadorias: - Atrás do senhor. São estas latas aí. O deputado: - Ah que bom. Agora elas não escapam mais. Vou matar todas! O repositor (falando baixinho) - torturador, assassino...

rapido&rasteiro&rapido&rasteiro&rapido&rasteiro

Quando você percebe que o grande momento do seu dia foi a escolha dos pimentões para o almoço do próximo domingo é que você tem a consciência de que algo na sua vida deu muito errado # "Globo decide expulsar Marcos do BBB após indícios de agressão". Assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade # O que você quer ser quando crescer? # Ultra Wave - Bootsy Collins: Um breve relato desta onda: Composições de George Clinton, Fred Wesley no trombone, Maceo Parker no sax, Bootsy Collins no baixo e os rubber bands nos demais instrumentos. É a semente do que os Red Hot Chili Peppers fariam cinco anos depois no ótimo Freaky Styley # Não ouviu? Sua mãe está te chamando! # Ontem foi aniversário de Santo André, mas não vejo motivo nenhum para comemoração. A cidade está mais feia, violenta, intrafegável e com vida cultural quase inexistente. Ela necessita de planejamento urbano, policial e cultural com máxima urgência # Será que o chopp está na temperatura certa? # Tem salsinha no seu dente # O seu zíper está aberto # Paraíso é ouvir Teresa Salgueiro cantando "Haja o que houver eu estou aqui, haja o que houver espero por ti..." # "E este assassinato – iria persegui-lo por toda a sua vida? Nunca ele estaria livre do passado? Deveria realmente confessar? Não. Havia apenas uma única prova deixada contra ele. O próprio retrato – era aquela prova" # "Alguém devia ter caluniado Josef K., visto que uma manhã o prenderam, embora ele não tivesse feito qualquer mal."

Bolsonaro na livraria

 - Olá, estou procurando a estante de livros religiosos. Sabe onde fica? O vendedor: - Lá naquele canto. São duas estantes. O deputado: - Vou levar esta Bíblia Sagrada, gostei das ilustrações! O vendedor: - Chegou um Alcorão lindo, olha só: Letras douradas e lombada em alto relevo! O deputado: - Obrigado, mas vou levar só a Bíblia mesmo! O vendedor (falando baixinho): - islamofóbico...

rapido&rasteiro&rapido&rasteiro&rapido&rasteiro

O Rei falou que além do horizonte deve ter algum lugar bonito pra viver em paz. Eu acredito no monarca # Leio na internet: "Cannes abraça TV e ignora Hollywood em sua 70ª edição". Jura? E como ficarão os 125 críticos de cinema do Estadão? Serão obrigados a assistir Netflix como todo mundo? # Um sebo a menos na minha cidade. Hoje fechou o Sebo do Velho que funcionava pertinho da minha casa e sucumbiu devido o aluguel elevado e o desinteresse, cada vez maior, pela leitura em papel # Ei Tiririca, não precisa mais cumprir aquela promessa de campanha de dizer o que um deputado faz. Agora nós sabemos # "Life", o terceiro álbum gravado em 1968, traz o swing, as guitarras e aquelas fatias de funk-pop que transformaram Sly Stone em uma lenda da música negra. Difícil de resistir # "Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso" # Mickey e Coronel Cintra fazendo a limpa em Patópolis, mas ainda falta pegar o Bafo-de-Onça # Bonner e Renata com caimbra na língua de tanto falar nome de corrupto # Um expresso porque eu também sou filho de Deus # 

rapido&rasteiro&rapido&rasteiro&rapido&rasteiro

Quaresmeira florida da Praça Milton Ferreira Ribeiro localizada no meu bairro, mais especificamente na "Curva da Morte" que é a descida mais perigosa da cidade e palco de muitos acidentes, alguns fatais. Minha mãe conta que na década de 1950, quando a rua não era asfaltada, os atropelamentos eram causados por carros de boi desembestados que não conseguiam frear. Neste lugar sinistro, um noivo morreu minutos antes de se casar e o pessoal todo chique e feliz teve de trocar o casamento pelo velório. Uma árvore bonita bem aí não deixa de ser uma homenagem, mesmo que involuntária # "Abafa o caso!" (Luciana Gimenez) # 9 verdades e 1 mentira (versão futebol) - Falcão foi cortado da Copa de 78 pelo treinador Coutinho porque o meio campista do Internacional desenhou na lousa da concentração como o time deveria jogar. - Sócrates foi contratado pelo São Paulo, mas Vicente Matheus horas antes da assinatura "roubou" o atacante para o Timão. - Milton Neves chutou a bunda do Sílvio Luís num corredor de TV. - Fernando Vanucci foi demitido ao ser flagrado pela câmera da emissora mastigando uma bolacha durante a transmissão esportiva. - O goleiro Neneca, do Guarani, durante muito tempo chamava o bebedouro do vestiário de auge, depois que um jornalista deu um tapinha em suas costas e proferiu a frase: "Está no auge hein?" - Garrincha disse que Dirceu Lopes era melhor que Pelé. - O lateral Nelinho chutou uma bola para fora do Mineirão. - Após ser ameaçado pelo jornalista João Saldanha, que empunhava uma arma, o goleiro Manga "escalou" um muro de três metros e escapou dos tiros. - Na final do Paulistão contra a Ponte Preta a torcida do Corinthians balançou uma bandeira verde com a frase Porcão 77. - Neymar é o melhor jogador do mundo e Messi melhor que Maradona # Assisti agora pouco reportagem mostrando molecada com merda na cabeça cometendo suicídio por causa do jogo Baleia Azul. A solidão e a dificuldade de comunicação na adolescência é mesmo um negócio terrível # Depois de ver os gols das derrotas do Palmeiras e do São Paulo, contemplar a Wendy Tavares no Pânico e rir com as pegadinhas, cada vez mais forçadas, do João Kleber, eu acho que já dá para dizer que a semana acabou # Boatos cada vez mais frequentes de que Silvio Santos pretende vender o SBT. Para os americanos # Vi pelo youtube o Leandro Karnal no programa da Ana Maria Braga buscando a poção mágica que o transformaria no intelectual pop inconteste da esquerda, uma espécie de lado B do Olavo de Carvalho. Não sei não...acho que isso só funciona nos gibis da Madame Min # "In The Jungle Groove" é uma coletânea, talvez a melhor, do período 1969-71 em que James Brown secundado pelos JB's começou a transformar seu funk numa coisa até então inédita. Na receita inventada por ele, jams longuíssimas, pouca letra, muita bateria e solos de baixo em profusão estavam a serviço de um experimento sonoro cuja a missão era não deixar o ritmo parar nenhum segundo. Numa primeira audição o ouvinte tem a impressão de que as músicas não foram finalizadas e que não poderiam ser apenas aquilo. Os minutos passam e o groove vai te tirando do corpo provocando uma espécie de projeção astral. Arrepiante. Destaque para a inacreditável "Funky Drummer" que especialistas apontam como o marco zero do breakbeat

Algo já te tirou do ar?


Em 1997, 25 anos depois do jipe lunar ser acionado pela última vez, dois franceses sonharam com uma nova viagem à Lua. Mais que isso, especularam sobre a possibilidade de alterarem campos gravitacionais, dobrarem o tempo e, com a execução, manipulação e alteração de notas
musicais, teletransportarem-se até o satélite.
Neste devaneio saído de um episódio dos Jetsons, Jean-Benoit Dunckell, matemático e Nicolas Godin, arquiteto, conseguiram o que muitos imaginavam impossível: ligar mais uma vez as baterias de prata e zinco do velho Rover.
Inicialmente Godin trabalhou sozinho e gravou demos com músicos egressos do Funkadelic de George Clinton. Dunckell, como um autêntico professor Pardal, preocupava-se em empilhar teclados, sintetizadores, órgãos, cravos, flautas e sequenciadores em busca do som perfeito. Na base de tentativa e erro remixou faixas que seriam o embrião do primeiro álbum do Air.
Agora batizados, a missão de lançamento de um foguete musical já não parecia tão impossível.
Naquele ano, franceses aguardavam o início da Copa do Mundo e sorriam com Jean Michel Jarre espalhando eletrônica pop no 850º aniversário de Moscou ao tocar para 3,5 milhões de russos. Alheio a isso, a desconhecida dupla esmerava-se em desenhar um mapa, um trajeto para o esperado safari lunar.
A plataforma de lançamento foi os estúdios do selo Astralwerks e veio aclamada por críticos de todo o globo. John Mulvey, do NME comparou-os com uma espécie de Electric Light Orchestra digital e ficou prostrado com a participação de Beth Orton em "All I Need", Ethan Smith, do Entertainment Weekly, na falta de comparação melhor, enxergou um pouco de Everything But The Girl no som deles, enquanto Brent DiCrescenzo, do Pitchfork, pensou ouvir ecos de trilhas sonoras de documentários suecos sessentistas.
Rob Sheffield, da Rolling Stone, comedido, achou o som da dupla repetitivo, mas deu 4,5 estrelas de um total de cinco em sua resenha. Encantados, os magazines The Face e Select escolheram "Moon Safari" como álbum do ano. Com toda essa gasolina aditivada pela aceitação em massa não faltou combustível para a viagem.
O périplo teve início com "La Femme D'Argent". Pianos espaciais saídos do lado escuro de um álbum do Pink Floyd iniciou a aceleração do veículo até dunas de montanhas cristalinas enquanto a bateria programada revolvia o magma de um oceano cristalizado. "Sexy Boy" fazia o jipe derrapar com o volume dos solos de Moog ao mesmo tempo que
"Kelly Watch The Stars", parecendo um mantra, te empurrava para um mergulho numa cratera perigosa ecoando vocoder. Já "Talisman", som retrô de Wurlitzer antigo, te cegava com o albedo involuntário dos botões de titânio do teclado.
A aventura continuava com a atmosfera etérea, delicada, sentida pelas notas iniciais de "Remember", quase um sci-fi cinquentista com trilha e pipoca a cargo de Jean-Jacques Perrey. Sensacional.
O que o Air conseguiu produzir naquele ano, hoje, após a audição de álbuns desafiadores como "Ok Computer" e "Dig Your Own Hole", pode não parecer grande coisa, mas foi um pequeno passo para a indústria e um grande salto para a música.
Antes do retorno, a refinada, chic e elegante "All I Need", participação espe(a)cial de Beth Orton, nos impermeabiliza para um banho num rio de metal líquido e avisa que precisamos apenas de tempo para emergimos atrás do sol e cellycampelamente brancos como a neve sintonizarmos a mente sem censura ou arrependimento para um novo tempo.
O safari lunar encerrou com o duo, walkie talkie em punho, avistando nosso planeta e mandando um recado para toda humanidade:
- "A Terra é azul, vermelha e branca".

quinta-feira, 20 de abril de 2017

The Quintet - Jazz At Massey Hall

Toronto, 15 de março de 1953.  Jovens no salão fumando e concentrados na TV sem volume  tentavam entender o que dizia o mestre de cerimônias que em breve apresentaria a luta do ano: Rocky Marciano versus Joe Walcott. A noite gelada afastou o público do Massey Hall e ouvir jazz naquelas circunstâncias não parecia tão sedutor. De costas para a rodinha, dois roadies arrastavam o piano, regulavam a altura de microfones, checavam fios e tomadas. Os que perguntaram o motivo de tanta arrumação foram informados que o concerto surpresa seria gravado e lançado em LP. Mas quem tocaria mesmo? Ah, um tal The Quintet.
A campainha do salão tocou ao mesmo tempo que o sino do primeiro round. De um lado dois brutamontes de luvas e calção, do outro cinco negros elegantes tomando seus lugares e afinando instrumentos. Estes últimos seriam sumariamente ignorados não fosse um grito que repartiu a roda:
- Olha, o Bird!
Defecção imediata. Um concerto de Charlie Parker era algo para se carregar a vida toda, um troféu, uma medalha de combate.
Mas não era só. Ao lado do pássaro, que trajava terno dois números maior e bolso enorme para acomodar o saxofone de plástico, ele, o trompetista bochechudo. Todos já haviam visto aqueles óculos de armação preta e lentes fundo de garrafa de Mr. Dizzy Gillespie, 36 anos,  lenda viva do jazz. Tossindo e segurando um copo, Bud Powell, 29 anos, bigodinho cafajeste, cigarro apagado na boca e gravata amassada de bêbado.
Um pouco atrás, o sorumbático Charles Mingus, 31 anos, cavanhaque precocemente grisalho, varria o lugar com olhar zangado. Max Roach, também 29 anos, sério e discreto esperou as luzes apagarem antes de sentar na bateria.
Um cruzado de Marciano volta a dispersar o público dividido entre os dois eventos, a final do boxe contra o concerto de jazz.
O Quinteto começa com pequenos jabs, "Perdido" solo delicado do pássaro e bateria vassourinha dá início ao combate. Sete minutos de puro bebop e gente disposta a deixar a TV. Neste instante Powell teclava tão bonito que um rapaz ousadamente segurou a mão da moça na segunda fila.
Combate duríssimo. No ringue Marciano castiga o fígado de Walcott enquanto no palco os metais atingem o plexo solar da pláteia espantada com "Salt Peanuts" a estrela da noite. Gritos, assovios, a comoção é total. Parker parece musicar um desenho animado, Mingus balança as cordas do baixo de maneira enlouquecida.

Na TV Walcott se esquiva bem e Marciano erra todos os golpes. No palco a violência também desacelera com o início da cândida "All The Things You Are". Nesse breve momento de calmaria Marciano acerta uma esquerda matadora na testa do adversário que desaba. Gillespie, ainda tocando o jazz e sem errar uma nota, desce do palco e  também se rende ao catch na TV. Mingus fuzila Bird com o olhar quase ordenando para tirá-lo de lá. O saxofonista entende o recado e  toca os primeiros acordes do "Tema da Rua 52", mas  não é só: uma sequência arrasadora com as improváveis "Cherokee", "Embraceable You" e "Hallelujah" golpeia os ouvintes com todo o léxico do bebop e hardbop. Com Walcott sentado no chão, ar abobado, o juiz inicia a contagem. Antes do dez O Quinteto ainda tem tempo para "Lullaby Of Birdland" e "Sure Thing". O árbitro decide esperar mais alguns segundos até levantar o braço e proclamar a vitória do pugilista ítalo-americano. Meia dúzia de clientes em frente ao televisor. No palco o nocaute técnico veio com o cruzado de direita seguido de uppercut de esquerda que foi a execução magistral, espetacular, acima de qualquer superlativo, de "I've Got You Under My Skin". Público atordoado. Agora a noite estava tão quente e enlouquecida que nem mesmo a limousine de Marilyn Monroe e Jane Russell na calçada dispersou a multidão que acabava de testemunhar um pouco da história da música.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Nós Choramos pelo Cão Tinhoso - Uma interpretação



     Lembrança do banco escolar, transição tensa da infância para a adolescência, necessidade de afirmação e exibição de coragem são alguns temas que o escritor angolano Ondjaki elenca no conto “Nós Choramos pelo Cão Tinhoso”.
     O cachorro que dá título à história não existe. Vive como personagem literário e indica a preocupação do autor em nunca delimitar fronteiras entre o real e o onírico.
     Sim, o Cão Tinhoso, existe. Como assim ? pergunta o leitor desconfiado pois afirmei linhas acima que ele não era real. Explico:
     O Cão Tinhoso está vivo e forte. Aquele animal coberto de feridas e abatido por tiros de espingarda é verídico, atual. Vive em cada suspiro, em cada lágrima, que refreada, não ousa correr na face da meninada.
     Obrigados por uma professora involuntariamente masoquista a efetuar leitura a classe vai reanimando o bicho outrora abatido.
     O texto, no formato de monólogo interior, apresenta Jacó, o narrador, ponderando sobre a crueldade perpetrada por um grupo de meninos que recebe a ordem de abater o animal ferido e eles não se furtam em fazê-lo.
     Já a leitura, tensa, ritualística, em voz alta, parece uma reedição da morte do cão. Cada palavra é um tiro, cada pontuação uma agressão. Encontrei aí uma espécie de tributo ao “Apanhador do Campo de Centeio” do norte-americano J.D.Salinger: Jacó é Holden Caulfield e o Cão Tinhoso , os meninos inocentes brincando perigosamente próximo do barranco.
     “Levantei-me e toda turma estava também com os olhos pendurados em mim...”. Essa passagem tira o narrador do mundo real e o transfere para a companhia do cachorro.
     Agora não é mais possível perceber diferenças entre real e imaginário. O poder do texto nivela tudo, a força da história, seu caráter emotivo, desnuda a inocência dos alunos. Eles ainda não são homens, devem se comportar como tal e esse impasse vai vitaminando o Cão Tinhoso.

     Morto na história, vivo na mente dos alunos, o que normalmente era uma lição de casa virou lição de vida: a responsabilidade de cada um  diante da fragilidade de inocentes e animais.