sábado, 13 de maio de 2017

Roberto Carlos (1981)

- Senhorita Miriam, mande o paciente entrar!
- Bom dia. Deite no divã enquanto eu localizo sua ficha. Deixe-me ver...Achei. Roberto Carlos Braga , 40 anos, viúvo, dois filhos... Confere?
- Sim doutor.
- Eu só pediria que não fumasse no consultório.
- É o hábito. O cachimbo está apagado.
- Pois bem, fale sobre você.
- Tenho sonhado muito. Nos meus sonhos aparecem mulheres, Jesus, baleias, não sei bem o que isso significa.
- Continue por favor...
- Bem, num destes sonhos eu me via iluminado sob a luz das estrelas, aquecido nos raios de sol e refrescado pela chuva que caia na minha cabeça. De cima de uma rocha eu contemplava o mar  enchendo os pulmões, respirando o ar. No sonho, eu tinha a informação que Deus estava para chegar e era desnecessário lutar contra os fenômenos da natureza. Minha consciência dizia para não tentar me esconder nem tampouco me enganar. Ainda no sonho, eu devia encontrar algo, bem depressa e me preparar para um encontro místico-celestial com o brilho dessa luz, que depois soube que se chamava Jesus.
- E soube como?
- Não sei ao certo. Uma espécie de ternura, uma mágica simples. Para responder isso só evocando outro sonho: Uma jovem de mansinho se aconchegava nos meus braços e falava de amor e carinho. Ela se enroscava docemente em meu braço e descobria meus segredos. Ela me olhava de maneira tão profunda e me beijava com boca macia...
- E você como reagiu?
- Eu estava encantado. Como alguém na plateia vendo um espetáculo de magia!
- Magia?
- Sim, uma simples mágica.
- Prossiga.
- Eu estou com a jovem no quarto, nossas roupas espalhadas pelo chão e era tão grande o amor que a gente fazia que tudo parava lá do lado de fora.
- Como assim?
- Tudo estava meio lento ou congelado. As pessoas começaram a sorrir, passarinhos faziam festa nos seus ninhos, o carteiro olhava para o céu esquecendo a carta urgente, as buzinas dos carros silenciavam. Era tão grande o amor que a gente fazia...
- Como se até o absurdo pudesse ser real né?
- Exatamente doutor. Uma doce loucura. Eu dissipava, saia do meu corpo e me transformava em batom, sabonete, toalha, travesseiro, o importante era estar colado àquela mulher. Sem notar vi parado no canto do quarto um café da manhã suntuoso que provamos ainda na cama. A comida, a bebida, tudo na justa medida.
- Interessante... E então?
- Então eu me via vivendo um momento lindo, sentindo emoções e lembranças vividas, momentos que eu não esquecia. Eu chorava, chorava de emoção. Eu me via ali vivendo aquele momento lindo em  paz com a vida, com uma fé me fazendo otimista demais. No sonho eu chorava.
- Se chorava ou se sorria o importante é que no sonho você vivia emoções.
- Isso.
- Hummm...
- É grave doutor?
- Meu caro não há problema algum. O senhor está muito bem.
- Estou?
- Sim. O senhor sofre de uma doença chamada Amor, mas isso não é fatal. Em alguns casos pode até fazer bem à saúde.
- Terei que tomar algum remédio?
- Recomendo apenas um banho gelado quando esses sonhos forem constantes.
- OK doutor.
- Ah, senhor Roberto, poderia me dar um autógrafo?
- Claro doutor. Assino onde?
- Senhorita Miriam traga aquele disco que compramos para a dona Neusa.

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Verão, início dos anos 90. Derretendo no sofá da sala do Marco, eu, ele e o Fábio assistíamos aborrecidamente o Top 10 da MTV com os mesmos videoclipes e volume baixo para não ouvir a voz da Astrid Fontenelle. Desviando o olhar do tubo da televisão, avisto um montinho de LPs da coleção da dona Neusa repousando quietinho na estante. Começo a mexer nos álbuns até que localizo o Roberto Carlos 1981. Mostro para o Fábio que começa a rir, quase gargalhar.
- Olha isso! Começou a ler a dedicatória na contracapa do vinil: "O único homem que consegue mexer com a gente".
Rimos, porém algo de profético ocorreu naquele dia. "O único homem que consegue mexer com a gente" certamente se referia ao cantor, o único homem que conseguia nos emocionar. Hoje o Fábio é PM. Dos mais brilhantes e temidos. Ninguém consegue mexer com ele.
Acho que só o Roberto.

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